NÃO SOBREVIVEREMOS A ESTE VERÃO
Escrevo-te certa de que não sobreviveremos a este Verão.
Deixo voar o poema como uma borboleta solta no pranto que as palavras sufocam de desilusão na discreta tristeza de voos desviados para além da paixão.
O hiato no tempo já sem tempo e paciência de lembrar quando foi a última vez que nos vimos. Nem sei por que esqueci o último momento em que te tive por perto, brinquei com os teus cabelos enrolados nos meus dedos e semeei de beijos no teu corpo, da boca à pele, sementes de saudade para as ver florir rapidamente nos poros da tua carne quando voltasses a querer-me nas tuas mãos de novo, de um desejo enraizado de vontade , de intimidade, de cumplicidade, como quando sentimos este apelo que nos atrai como ímans inseparáveis.
Ainda que sejam somente umas horas, o tempo estica-se de ilusão, e o lugar onde nos abraçamos, torna-se o nosso mundo, onde tudo e nada faz sentido, mas que nos faz sentir o amor em sintonia.
A combustão até ao limite do tempo de que dispomos, ardemos com loucura no prazer que nos faz voar as horas de imaginação e sentimento.
Aprendi com a Ana Luisa a temperar versos e a alimentar o palato dos teus sonhos comigo, de receitas antigas com ingredientes secretos, e lágrimas do teu olhar emudecido de espera a salgar doce sentir, e sombras desenhadas com o suor dos nossos corpos estendidos entre lençóis na penumbra do silêncio dos poços fundos com que tecemos a melancolia dos poemas escritos com os nossos sentidos.
O Verão é um longo passado fechado num quarto escuro de que perdemos a chave e que se atrasa sempre no relógio irrequieto de uma poesia confessional, como se uma prece fosse suficiente para acalmar o desassossego aprendido para viver sem ti.
A Maria do Rosário ensinou-me a guardar a verdade de não amar ninguém mais, depois de ti, e de aceitar todos os fogos extintos e guardar em herméticos boiões as cinzas e a escuridão das tardes que morrem sem ouvir outra vez o cântico da tua voz a chamar por mim.
Os afectos densos e espessos esteios dessa eternidade amadurecida de orgasmos de ternura no ponto certo, de sabor forte a cicatrizes e marcas de vivências fendidas por uma amargura pálida e fria.
A Florbela deixou-me de herança as únicas palavras que nunca ninguém quis dizer, nem eu jamais as voltarei a repetir, porque não se sobrevive ao amor se nada mais temos para dizer um ao outro. E nas próximas estações já nenhum de nós se vai lembrar de que existimos um dia e fomos o sol mais morno e luminoso como raio de luz na vida.
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musa
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