quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

SE O STO. ANTONIO ESTIVER A OUVIR-ME


SE O STO. ANTONIO ESTIVER A OUVIR-ME
Não sei ao certo de onde ou porquê, surgiu este amor e devoção das avós, pelo santinho. Uma dedicação exclusiva, quase adoração, que o colocava num nicho, junto à porta de entrada do lar, e tudo via e ouvia, do alto do seu pedestal, abençoava quem entrava ou saía, ritual de sinal da cruz e beijo levado na ponta dos dedos até aos seus pés.
Desde menina, eu cobiçava a imagem de barro da avó Adília, e a imagem pequenina, de gesso, suja e gasta, amaciada pelas mãos da bisavó Maria, quando em horas de desespero se agarrava a ela, escondida no bolso do seu avental, e silenciosamente lhe suplicava a ajuda necessária.
Aprendi com a bisavó a ladainha, o responso ao Sto. Antonio, a prece que milagrosamente atendia problemas e contrariedades, e os achados incríveis das coisas perdidas.
Sobre casos de amor nunca me lembro de ouvir contar, ou talvez esse lado casamenteiro do santo, não fosse o mais essencial e apetecível benfeitor, dos pedidos importantes da avó. Interessava-lhe mais os assuntos de saúde, os partos a que assistia e ajudava, a proteção para os bebés e as mães, e as coisas perdidas. E sempre me lembro de a ver, e sentir feliz, com a atitude do seu santinho, que muito a ajudava a resolver as situações difíceis.
É um Santo Antonio tosco, comprado numa feira dos Santos, em Torre D. Chama, já rachado e colado, por alguns tombos, que o fizeram cair ao bater a porta da entrada, com mais força.
Apoiado num braço tem o menino Jesus ao colo, que muito se agarra a ele,  testemunho da visão "A Aparição do Menino a Santo António", é uma história acolhida com sucesso na tradição iconográfica até aos nossos dias e muito preferida na idade barroca, que relata o episódio do frade acolhido por um benfazejo hospedeiro, numa das suas viagens por França ou Itália, foi o Santo visto pelo anfitrião, numa certa noite, a receber a visita de belíssimo infante. Tratava-se do Menino Jesus que descia do céu sobre um livro e passava aos braços do Santo. Tudo isto viu o burguês, por uma porta entreaberta. Prometeu guardar segredo. Assim fez até que António morreu. Em virtude deste “milagre”, entra o Menino Jesus na iconografia.
Há uma espiritualidade veiculada nesta associação do Menino Jesus, bem testemunhada nos sermões de Santo António. Os franciscanos meditaram sobre a humanidade de Jesus e valorizaram a devoção ao Menino com a promoção do presépio. O atributo antoniano harmonizava-se com esta linha espiritual e servia a causa da sua difusão, motivando a visualização de um amor ao Menino, ensinado na pregação popular. Há um poder evocador da inocência, candura, humildade, pureza, amor pela humanidade, patentes na vida de Cristo.
O livro é atributo antigo e mais usado. Aparece geralmente na mão esquerda, ora aberto, ora fechado. O livro era usado habitualmente nas representações dos Apóstolos, dos Doutores e dos Bispos, como depositários da doutrina evangélica. Assim se queria sublinhar, em Santo António, a qualidade de apóstolo da Boa Nova e de “Arca do Testamento”. Patenteava o escritor, o sábio. Quem viveu o Evangelho como “regra e forma de vida” e o anunciou fielmente é natural que segure o livro no átrio das suas mãos. Junto se coloca, frequentemente, o Evangelho vivo: o Menino Deus em pessoa nos braços do Santo. A imagem de Jesus, grande amor da vida de António de Lisboa, não decaiu nos seus lábios e não caiu dos seus braços.
Na outra mão segura uma açucena, que representa a sua castidade e pureza de coração, simboliza também a estação do ano na qual o santo morreu, o verão no hemisfério norte. Há o costume de considerar lírio a flor aparecida como atributo de Santo António. Ora, como vimos, não é essa a flor que, regra geral, é representada nas mãos do Santo. A confusão deve-se à palavra italiana giglio, que tanto traduz lírio como açucena, da família das liliáceas. Em latim chama-se lilium candidum. É significativa a citação do Cântico dos Cânticos «Dilectus meus pascitur inter lilia» (Cant. 2,16), que as versões portuguesas traduzem por “açucenas”. A palavra portuguesa açucena tem origem árabe as-susanâ, de susan = lírio.
Da bisavó Maria, guardo o mais precioso santinho, de gesso, pintei-o de azul, a cor dos olhos da bisavó, uma imagem pequena que cabe na mão fechada.
Há dias, no meu aniversário, a amiga Maria Isabel, a Mi, ofereceu-me um Santo Antonio com um livro aberto nas mãos, mas sem o menino Jesus. O lugar do menino existe, sobre o livro, mas alguém o levou.
"Roubar" o Menino Jesus de Santo Antonio, é uma tradição bastante comum para se ter uma graça atendida pelo santo. Tudo o que se precisa é encontrar uma imagem de Santo António que tenha o Menino Jesus para ser retirado. Depois de conseguir a imagem, pensa-se no que se necessita, faz-se o pedido e “rouba-se” o menino Jesus do Santo António. Envolve-se o menino num pano branco e mantem-se escondido nalgum lugar.
Só se deve devolver o Menino Jesus depois de ter o seu pedido atendido.
A amiga Isabel Marcolino que me ofereceu o Santo Antonio verde porcelana, bonacheirão, de livro fechado num braço e menino ao colo no outro, entendeu que o meu santinho não podia ficar sem o menino Jesus e ofereceu-lhe um, bem pequenino, que cabe perfeitamente em cima do livro aberto.
A amiga Teresa Teixeira, trouxe de Lamego, do artesão  Alexandre Fandino, referencia da olaria figurativa, fruto do estilo próprio, que ainda usa as mãos e a clássica roda de oleiro para moldar o barro vermelho, um Santo Antonio do Douro. O livro aberto e as folhas da videira, a representar a emblemática paisagem duriense, berço do vinho do Porto.
Um amigo secreto ofereceu-me o Sto. Antonio com o menino Jesus, debaixo do braço o livro fechado, e a açucena.
A imagem mais pequenina do Santo Antonio, ofereceu-me a amiga Alice Queiroz.
Anda por aí, espiritualmente sentida, bem presente entre nós, nos versos em colo de flores, num aroma de inspiração traduzido de palavras que confortam, uma serenidade que os seus poemas transmitem e partilham de memórias sentimentais.
Também ela tinha um Santo Antonio de gesso, igualzinho ao da minha bisavó.
Sei que as duas já se encontraram num campo de flores para além da saudade. Talvez a eternidade comece a ser escrita de silêncio e poesia.
Ana Barbara de Santo Antonio

sábado, 15 de dezembro de 2018

CADA VEZ MAIS SÓS

CADA VEZ MAIS SÓS

Não falta à mesa o pão
Repartido por um qualquer deus
Dividido na incerteza e na solidão
Tão nossos e tão seus
Tão diferente e tão igual
Tão da terra e tão dos céus
Na mesa farta de Natal

Sorrisos descontentes
Na imprecisa união
A fartura destas gentes
Em festa e gratidão

À mesa com tudo o que lhe pertence
Todas as iguarias festivas
Sem as doçarias esquecidas
Que pela fome não convence
A ilusão doutras vidas
E o silêncio desuso da prece
Imperfeito e profundo
Já das contas perdidas
Por vezes ainda acontece
Lembrar a oração do mundo
A fé a bater no peito do olhar
As horas adormecidas
Sem tempo de orar

Cada vez mais sós
À mesa longa e comprida
A comer perde-se a voz
Que importa ao lado a outra vida
...
musa

Imagem: La soupe des pauvres - pastel
" L'Appel du Bleu" Jean-Yves Simon - Editions Boussole, pág. 203

CRIANÇA JESUS DO LAPEDO

Parabéns a todos os que contribuíram para este maravilhoso achado

CRIANÇA JESUS DO LAPEDO

No regaço da fenda na rocha adormecida
Há vinte nove mil anos sepultado
Na sagrada terra mãe escondida
O corpo inerte cuidado e deitado
Jaz o menino Jesus do vale do Lapedo
Escondido do mundo em segredo
Seus ossos tingidos de um ocre vermelho
Rito funerário pré-histórico e velho
Das trevas subterrâneas e do medo
Natal de um antigo inverno
Agora de palavras eterno
" Foi purificada com um ramo de pinheiro-da-casquinha, que foi aí queimado. Sobre o ramo queimado colocou-se o corpo da criança, embrulhado numa mortalha de pele coberta de ocre vermelho. O corpo estava um pouco inclinado para a esquerda, com o pé esquerdo sobreposto no direito. Além disso, deixaram-lhe um coelho como oferenda, uma vez que se encontraram ossos deste animal, também com ocre, entre as pernas da criança. Por fim, colocaram-lhe adornos. Junto do pescoço, o esqueleto tinha uma concha marinha perfurada e, perto da cabeça, quatro dentes caninos de veado furados."
Que sonhos de infância esconde o teu olhar
Da penumbra da caverna em solidão
Agora os teus ossos recuperados
Espantam os homens e fazem divagar
Por entre mundos desconhecidos de luz e escuridão
Sentidos profundos montes e vales encantados
Onde o tempo parece parar
Ecoam murmúrios deslumbrados
E agora já podes descansar
...
musa

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

ENTRE OS TEUS BRAÇOS DE NOVO A PRIMAVERA

ENTRE OS TEUS BRAÇOS DE NOVO A PRIMAVERA

A luz sem tempo entardece
Dança sombreando hora a hora
De penumbra a nesga funda se demora
Entreaberta a porta que acontece

Ver-te entrar corço esquivo
No vale furtivo da brancura
A sussurrar um grito um uivo
O canto feitiço da loucura

E o vento da boca a lamber gulosa folhagem
Brisa aragem desassossego do rio
Desejo deserto em infindável viagem

De gozo amor prazer em paciente espera
O vale que há-de ser de luminoso a sombrio
Entre os teus braços de novo a primavera
...
musa

DE LUZ

DE LUZ

Todo este tempo de espera é sangrar
Rasto de lúmen indecifrável
Abertura
Luz

Sentimento
Quimera
Olhar

A sombra imutável
Prestes a explodir
Branca loucura
Que conduz

Pensamento
Primavera
Provar

O fel das palavras em sentir
Na leitura aberta claridade
Insustentável intimidade
Secreta tortura eternidade
O éter existir
Da vida

Não sei se a felicidade
Já perdida
Ou a encontrar
...
musa

AS MÃES NÃO TÊM TEMPO PARA A POESIA

AS MÃES NÃO TÊM TEMPO PARA A POESIA

As mães não têm tempo para a poesia
Escondem metáforas por detrás do olhar
Tecem de rimas segundos minutos e horas
Em ponto cruz de melancolia
Profundos pensamentos por bordar
Todos os sossegos e demoras
Versos de sensibilidade e sentimentos
Na intimidade dos momentos
As lágrimas que não conseguem calar
E as palavras que soletram em métrica escondida
Do sentir e da saudade por embalar
Toda a ternura serenidade adormecida
Sem reticências ou pontuação
Doce melodia a soletrar
O poema em soneto imperfeito
Benção ou história de amor em coração
De imensa doçura a bater no peito
...
musa
"Blessings - Katie M Berggren, Acrylic on Canvas"

MÃE DEZEMBRO

A mais um Dezembro cumprido para a minha mãe 💝
De Parabéns Maria Conceicao
MÃE DEZEMBRO

Cabelos humedecidos
Mãos enregeladas
Rosto a corar sentidos
Algumas lágrimas perladas
Em fios desprendidos
Tombam risos esquecidos

E do regaço manto e leito
O aconchego de gratidão
O amor maior a bater-lhe o peito
O afago e o aperto da protectora mão
Ainda que por vezes incerto o caminho solidão

Uma prece no silêncio da ladainha
A súplica o pranto em humildade
Tanto que Vos peço Mãe para a minha
A minha mãe com rosto de serenidade
Divide comigo um amor profundo
Divido com ela todo o amor do mundo
...
musa

Igreja Nossa Senhora da Conceição