sábado, 29 de setembro de 2018

AS MÃOS DE SAFO

AS MÃOS DE SAFO


Dores e prazeres na ponta dos dedos
Cumplicidade de sentidos e de desejos
Escondem as tuas mãos líricos beijos
Versos de sedução preces e segredos


Ou as palavras tecidas doce elegância
O canto o pranto ou a mansidão da luz
Em teus cabelos de violeta a noite seduz
Murmúrios da brisa luminosa fragrância


Na dureza do mármore essa eternidade
No altar sagrado a dançar tão delicada
Com as musas em cativa intimidade


Mulheres de Creta Plêiades inocentes
Nessa ilha de Lesbos flor depravada
Tombam as palavras de mãos indecentes
musa


Nascida em Lesbos, uma ilha grega no mar Egeu, ela é considerada a maior poetisa lírica da Antiguidade, e muitos ainda quiseram chamá-la de musa. Uma das Nove musas.

Safo fazia poesia e muito bem, e por isso é uma das mais importantes contribuidoras para a poesia lírica, mais especificamente a mélica, que tem esse nome justamente por ser difundida pela canção – “mélica” vem de “melos”, que nos lembra “melodia”. Os temas principais da lírica mélica são o sentimento, o amor, o prazer. Suas canções traziam isso com muita frequência, através de descrições de sensações e da importância de lidar com o próprio corpo. Para ela, esse amor, esse desejo, esse prazer eram todos direcionados a pessoas diversas, algumas identificadas já nos trechos, outras eternamente desconhecidas. Reparem que eu disse “pessoas”. Safo se declarava para mulheres e também para homens, e portanto o termo “lésbica” veio justamente dela, Safo de Lesbos.
O que as hipóteses apontam é que a igreja católica, muitos anos depois, tenha censurado sua obra, por causa do conteúdo considerado “inapropriado” e erótico demais. Hoje em dia, é muito difícil ter em mãos materiais confiáveis desta autora, pois suas canções se perderam, se romperam, se espalharam por aí, no meio de outros textos. Hoje, de sua obra, pouco se tem além de uns duzentos fragmentos recheados de lacunas. Além de declarações de paixões, ela também escreveu sobre a saudade e sobre o que via e sentia em seu contato com o mundo.
Dizem ainda que Safo coordenou uma escola de aperfeiçoamento para moças, com aulas de poesia, dança e música, onde suas alunas eram chamadas de “hetairas”, que é a tradução grega de “amigas” ou “companheiras”. Porém, não se sabe ao certo o quanto esta informação está correta – alguns pesquisadores dizem ser muito provável, outros dizem que não. Fica a dúvida, assim como a que diz respeito à sua morte, em torno da qual gira mais de uma hipótese, envolvendo até suicídio. Não sabemos como Safo morreu, não sabemos quando, não sabemos onde, mas sabemos que sua obra foi crucial para o desenvolvimento da poesia grega antiga, seja na forma, seja nas mensagens. E quanto não há de Safo em nossas autoras modernas?


“Pensamentos para nós voltando

Como se fosses uma deusa

E nas tuas canções encontrava alegria;


Nesse momento ela resplandece entre as mulheres

Da Lídia: é assim que, depois do pôr-do-sol,

A lua dos dedos iguais a rosas,


Ofuscando as estrelas, derrama

Seu esplendor sobre o mar salgado

E os campos cobertos de flores,


E o puro orvalho se estende, quando

Se abrem as rosas, o khairéphylon

Delicado e o trevo-de-cheiro;


Errando, sem parar, de um lado imagens de Safo

Para o outro, ela se consome na lembrança

E no desejo da adorável Átthis”

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

INOCENTE METÁFORA

INOCENTE METÁFORA

Em longínquas histórias
Não há crianças no poema
Cheio de pedras no olhar
E orvalhos de madrugadas frias
A escorrer húmidas memórias
Em janelas sombrias
Ausente alvorada amena
A despertar

Do silêncio adormecido
E contrafeito
E faz todo sentido
A dor a bater no peito
O comboio devagar
A atravessar a cidade
De riso esquecido
E saudade

Aos gritos a romper
Horas mansas e tardias
Em pactos de intimidade
E palavras por escrever
Entorpecidos olhares e mordomias
Da luz por acontecer

No tempo já sem as crianças
E versos sem rima ou pontuação
E na frialdade da estação
Estrofes e metáforas como lanças
A perfurar a ilusão
Ou a súbita solidão
Do inocente existir
De uma meninice na escuridão
Em becos escuros de descrente sentir
E desilusão
...
musa

http://lisboadeantigamente.blogspot.com/2015/08/beco-de-sao-miguel-antigo-beco-dos.html

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

A PENUMBRA É VERDE

A PENUMBRA É VERDE


Escondida
Numa penumbra sombria
A casa assim adormecida
De escuridão tecida
Silenciosa húmida e fria
Respira em verde flor
O canto da dor


Impede sensível luminosidade
A derreter em claridade
Infinito entranhamento
De esverdeada cor
E opacidade
Por ali adentro
No interior


É tanto o verde impregnado
Necrofílico espessamento
Da luz frialdade
Fenesta o sombreado
Em frágil pigmento
Na intimidade


Vítreo segmento
Verdejante olhar
Um detalhe de silêncio
Como brisa de vento
Quieta a palpitar
O escuro cortante
De arestas por limar
Parado no tempo
Outrora a cintilar
Perfume sossego

Em segredo
Contentamento
A serenar
O medo
musa

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

NÉVOA FLOR

NÉVOA FLOR

Desabrocha como manto de aurora
Espessura neblina tudo a cobrir
Derrama e turba a luz em entranhado refulgir
Como se a relinchar ao vento
No galope em correria se demora
Da madrugada a manhã tardia a partir
Num adeus de bruma à flor do tempo

Acinzentado nevoeiro a envolver Setembro
Dança com as árvores insustentável mansidão
A valsa triste que já não lembro
As folhas lágrimas a cair de solidão

Vai à deriva do mar à terra adentro
Em florida e dançante leveza
E rodopia à volta dos lados e ao centro
O ciclo dos mistérios da doce natureza
Na profunda magia de um sopro de alvorada
Luminoso e mágico amanhecer
De tão íntima e estranha pureza
A luz ínfima pela maresia coada
Para mais tarde de rubro esmaecer
Florindo na folhagem húmida toada
...
musa

NA BEIRA DO MAR

NA BEIRA DO MAR

No Verão há flores frias gélidas e pálidas
Há ventos cortantes a serrar com areia
Dunas a desfazerem-se magras esquálidas
Uma vaga ruidosa a enredar como uma teia

De mar a inundar o areal de coisas mortas em pedaços
Conchas vazias e partidas já sem vida
Pedrinhas roladas por sal de muitos cansaços
Qualquer coisa abandonada ou talvez esquecida

Caminho sobre os detritos da praia deserta estranha
Como dois cavalos montados de sonhos e vento
Nesta imensidão de azul à beira-mar tamanha

A solidão que arrasto no trote das vagas imaginadas
De palavras escritas na areia do pensamento
Deixando pelo chão tristemente pequenos nadas
...
musa

VAMOS ANDANDO

VAMOS ANDANDO

Vida brava esta
Que todos temos que viver
Vivendo às vezes sem saber
Quanto tempo que nos resta
E vamos andando
O tempo matando
Sem nunca morrer
E vamos andando
A vida levando
No maior prazer

Então como vai a vida
A barca levada a bom porto
Cada dia é uma despedida
A cada segundo já morto

Barca na areia em descanso
Já muito mar a lavou
Às vezes bravo outras vezes manso
Mas nele nunca afundou

O tempo que passa e demora
Dias contados ao passado
Fio a fio a cada hora
No relógio quebrado

A prece do vamos andando
Horas a invocar o futuro
Que o presente vai cobrando
De velho morre o seguro
musa

CÂNTICO NEGRO

A ler/ouvir "palabras" de Rosália de Castro

CÂNTICO NEGRO

Por mim
Chega a noite mais cedo
Desce névoa escuridão
Olhos magoados carmim
Vultos agitados no arvoredo
Pelo caminho melodia da canção
A sussurrar doce fim
O voo enfim da ave
Negra e sombria

Um fundinho de música suave
Teu corpo enroscado no meu regaço
Nos meus braços como se a clave
Da pauta do teu olhar num leve cansaço
Desmistificasse o pentagrama do teu sentir

O riso a tessitura de um silêncio antigo
Prece intimidade a sorrir
Voz envolvente da luz da tarde
Partilhado em cumplicidade comigo
Entre o amor a paz e a amizade
Que o tempo ensina a dividir
E é talvez capaz de assumir
Em nuances e acordes de melancolia
O cântico negro de todos os poetas
As vozes secretas
Ao existir
Poesia
...
musa


https://youtu.be/gdnVZE5I8Os

PARA SEMPRE ESPERAR-TE

PARA SEMPRE ESPERAR-TE

Os dias consumidos a esperar-te
Espera-se como quem tem certo
Ilusória vontade de te ver chegar
Sabendo-te talvez longe ou perto
Toda a distância pode imaginar-te

Longínqua espera sem desilusão
Breve a sombra desta caminhada
Qualquer porto de abrigo à solidão
Cais estranho onde não resta nada

De tudo desistir como se o cansaço
Embalo de todos os passos a esperar
Errante travessia aos confins do mundo
No sentir deambulante de vidro e de aço
Sem jamais permitir uma lágrima no olhar
No mais secreto desassossego profundo
Guardado o último beijo e o doce abraço
musa

À PROCURA DE NENHUM LUGAR

À PROCURA DE NENHUM LUGAR

Há nos olhos das palavras
Um vicio demorado
A dobrar esquinas becos escadas
Ruas mansas e demoradas
Um sentido desorientado
E a lentidão de quem em ruas perdidas
No sossego do tempo passado
Procura antigas moradas
Outras tantas vidas
De um sentimento redobrado
Um sentir quase esquecido
Memórias renascidas em montras sem lugar
E todas as direcções desmemoriadas
No mapa secreto do olhar
Um tesouro profundo e intrigante
Cidades de confins longitudinais
Quando o aqui distante
São cartas de baralhos cardinais
E o ponto fulcral da humanidade
Vai dando sinais
Longínquos suspiros do universo
Estremecem os sentidos
Em insustentável insanidade
Mapeiam-se as palavras em verso
E é preciso traçar o memorável caminho
Por entre sonhos escondidos
No reverso do horizonte destino
A levar por mundos infinitos
Em inventadas falas
Fados e atitudes e vontades
Abrir firmamentos e escritos
Fazer as malas
Partir ou chegar
Deixar para trás saudades
Seguir caminho
No silêncio dos gritos
A nenhum lugar
...
musa