sexta-feira, 22 de junho de 2018

CREPÚSCULO

CREPÚSCULO

Queima-me este entardecer de iodados matizes
Ensanguentados raios a romper luz avermelhada
Estende ao anoitecer mansa escuridão de raízes
Afoga de mercúrio nesse mar em fulva luz coada

O céu afogueado lança no ferido tempo
A dança das sombras em líquido peito
Esvoaçando corado e rubro lírico lamento
Murmúrio olhar no horizonte imperfeito

Névoa ao sereno caindo de sangue e luz
Rio vermelho a tingir de palavras os céus
Espelho onde a tarde de sentidos seduz

Melancolia num verso de cores alaranjadas
Ruborizado olhar incandescente o Deus
Que traz à noite segredos e promessas de luas fadas
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musa



CHORO IMPULSIVO

CHORO IMPULSIVO

O sentir dos ventos graníticos no pó dos tempos
A corroer grilhões da ilusória vida
Na leveza insustentável do infinito
Num milímetro de pele toda a identidade indefinida
O lento chamamento quase grito
O choro impulsivo da treva perdida
Poeira dos sonhos a cobrir a alma de poesia
Aberta de verbos a ferida
Uma gota de hora sobre o corpo adormecido
Um vendaval de silêncio a escorrer
Um minuto acontecido
Como se o sangue fosse anoitecer
E fossem os dedos anelares mantos
E dos olhos pérolas descobertas
Todas as palavras decifradas
O código dos risos e dos prantos
A mão amarga dos poetas
Vidas malfadadas
E trémulo o caminhar
Em convulsivo devaneio
Apenas uma lágrima do olhar
Dividida ao meio
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musa

DESILUDIDO

Desiludido
O coração cheio de amor
Que importa a mágoa vadia
Na fronteira do sentido
O arame farpado da dor
Impede a passagem da vida
A saudade que adia
O tempo passado e a viagem indolor
A memória perdida
Subitamente o esplendor
Entre o silêncio e a melancolia
Rasga a palavra um poema em flor
Das raízes do verso
A mágoa rósea em botão
No húmido chão do sentir
Um grão de solidão
Profundo existir
Dorido universo
Parece florir
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musa

CANAVIAL


CANAVIAL

Surge tão verde e fresco o caminho
Como dois seios num regaço
As tábuas do chão amaciar cansaço
De um passeio sem destino

E a romper do olhar fragâncias do roseiral
Aromas floridos na verdura da travessia
A inspirar versos de poesia
Estrela guia silêncio divinal

Um sussurro de anjo a cair dos céus
Róseo perfume aguado visceral
Segue nos passos um qualquer Deus

Cedo madrugar parece romper
A luz esfuziante a rasgar o canavial
Por certo um anjo acaba de nascer
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musa

ÍNTIMA TRAGÉDIA


Íntima tragédia

Alguns milímetros de areia
Um afago imprevisível
Sobre o ócio do tempo
E a luz que permeia
O imponderável indivisível
Silêncio lamento
De que o sol não nasce para todos
Sobre o chão livramento
Em medidas e modos
Livre arbítrio do descontentamento
Todos os dias no mesmo lugar
A incendiar de sentidos
Na selagem do olhar
O destempero da solidão
Nos olhos entardecidos
A intimidade perdida
Fogueira humedecida da emoção
Dessa tragédia de vida
Que antecede a desilusão
Das sombras esquecida
O amor é fogo que arde sem se ver
Onde o sol vai todos os dias morrer
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musa

domingo, 10 de junho de 2018

A QUE CHEIRA A INFÂNCIA

A QUE CHEIRA A INFÂNCIA

A longos invernos
Gélidos rigorosos
Iluminados à lareira
Um fogo dançante

Risos e choros eternos
Olhos lacrimosos
Esgazeados pela candeia
Pálida bruxuleante

Uma sombra luzente
A rasgar a escuridão
E a lenha a crepitar
Como um regaço quente
Um afago de mão
Um abraço de olhar

E dos aromas floridos
As cores da Primavera
A tingir dos sentidos
Sensível quimera

Sonho arado
O cheiro da terra aquecida
Chão lavrado
Promessa de vida
No prado o gado
Na horta o forte aroma da rama
O perfume aguado
Lodo e lama
A folhagem do tomateiro
Pela janela filão luminoso coado
As folhas da figueira
De sentinela o sapo jardineiro
O rubro da cerejeira
O amarelo do limoeiro
O verde da seara
Cheira a feno derrubado

Grãos de trigo numa tiaraEm lâmina romba de foice
A sangrar os cereais
O tempo curto coice
Dias como punhais
De um Verão infernal

Aromas de todas as colheitas
O bucólico rio da videira
A paisagem outonal
As vinhas desfeitas
O mosto a escorrer
Nos lábios a tremer

Memória de vendavais
Chuva de recordações
Intenso viver
Ventos e pardais
Em perfumado sentir
A esvoaçar natais
Doces ilusões
Terno existir
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musa

terça-feira, 5 de junho de 2018

BEIJO

BEIJO

Este súbito silêncio
A derramar por entre a chuva
A memória do sentir
Nostalgia

Um ranger de porta entreaberta
Sombra melancolia
Uma lágrima no olhar
A intimidade segredo
A esvoaçar a borboleta
O grito e o medo
A explodir

Tudo o que não dissemos
Tudo o que deixamos por fazer
Tudo o que já esquecemos

Na memória ainda o beijo
A ilusão e o prazer
A última porta fechada
A boca beijada
De desejo
E querer
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musa

A MORTE DO SEGUNDO ANDAR

A MORTE DO SEGUNDO ANDAR

A morte chegou esta madrugada e entrou
Sem dizer ao certo ao que vinha levou consigo
O homem do segundo andar ao duro castigo
Que a vida insegura e triste o empurrou

Nas escadas arrastadas as mãos vazias
Sem conhecer outras mãos de afagos e apertos
Nos olhos entristecidos longínquos afectos
Duro o ferro do corrimão que as faz tão frias

E a manhã bem cedo nunca mais lhe ouve o passo
Ou o silêncio que arrasta entorpecido e só
Agora descanso do eterno e doce cansaço

Nunca mais os bons dias mudos e desesperados
Que a terra reclamou cinzas e sopro de pó
Agora corpo inerte a esperar de olhos fechados
musa

FRIA DOR

FRIA DOR

Esta frialdade primaveril
Por todo corpo a esfriar
Um azul arroxeado anil
Das mãos aos pés e o olhar

A espelhar as sombras da melancolia
No pó dos caminhos sem fronteiras
A súbita luz da tépida agonia
A dor a explodir de mil maneiras

E os olhos incendiados e ardentes
De um frio a rasgar a pele de ardor
A cor em tons húmidos e quentes

Templo deste olhar entorpecido
O frio manso aconchego da dor
A fazer da vida seu único sentido
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musa