segunda-feira, 13 de agosto de 2018

MEU QUERIDO MÊS DE AGOSTO

MEU QUERIDO MÊS DE AGOSTO

Seis horas da manhã, o calor aperta, e os vinte e oito graus à sombra derramam a profusão de luz que a janela não consegue estancar, pois o corropio de calor atravessou toda a escuridão da noite e em nada refrescou a madrugada deste tórrido Agosto.
A dois passos do mar, o litoral já não é o que era, nem uma brisa para atenuar o sufoco desta tropicalidade caliente que teima em trazer do norte de África, o bafo poeirento do deserto.
As almas desassossegadas pelo calor agitam-se em gritos e barulhos, novidades no recanto, tão apegado ao silêncio e ao sossego, a azáfama borbulhante de sons e línguas faz-me recordar outro país, outras vidas.
Ninguém merece passar uma noite em branco por causa do calor, dormir de janela toda escancarada, e não lembro alguma vez desde que assentei arrais nestas paragens, assim ter acontecido, o lugar sempre foi muito fresco, mas agora sufoca, e bem cedo, neste madrugar atribulado, a rasgar o silêncio da manhã luminosa, berra uma criança e grita uma mãe, e outros barulhos fazem concerto das horas inapropriadas a esta musicalidade contribuindo para a poluição sonora do cedo erguer.
" - Mange Elodie, depeche toi, on t'attend de finir, t' a que avaler tout ça, merde, j' en ai marre des gosses, on est lá toute lá journée."
E o discurso a viva voz, entre barulhos de coisas que tocam o chão e outras que batem noutras, somado com o choro das crianças e o cão que ladra, alegra a manhã e promete a ilusão de circunstância de tempo e de lugar, deslocados no mapa dos afectos, quando a infância tinha o selo especial das migrações.
O discurso avança agudo e irritado, a teimosia das crianças não cede a chantagem emocional, nem se compadece de estatuto ou contrato, somente a condição de progenitora testa limites de paciência e compreensão, nem duas línguas dão conta do recado.
" - Acaba de comer, caralho, tu me fais chier avec tes merdes comme ça, vamos que eu não tenho o dia todo, mange!"
O imóvel é chique, coisa para duzentos mil para cima, situado na primeira linha da praia, com uma vista deslumbrante.
O discurso continua, grosseiro, repetitivo, insensível ao choro da criança, ao desespero do calor, à voz masculina que ameaça com porrada em ambas, e as manda calar em tom bastante ameaçador. Seguem-se mais choros, mais gritos, o cão que ladra ainda mais, e a manhã assim tão animada, num domingo de Agosto, por estas paragens, remete para um filme de aldeia transmontana em pleno Verão.
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musa

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