quinta-feira, 23 de agosto de 2018

CEIA DE VERSOS

CEIA DE VERSOS


São íntimas as noites
Que alimentam nascente de águas enfatizadas
De uma fome de ceia de versos
Saciadas madrugadas em rios por correr
Leito adormecido de caudais
A brutal trepidação de sinónimos
Ou líquidos substantivos
De verbos metais
A doer

Neste agitar de águas metaforizadas

Tempos imaginativos
Sulfúrico odor do pranto
Química sentimental do olhar
As veias pulsantes e rasgadas
Na carnal dor do desencanto
De versos a pulsar
Em lírico canto

E todos os silêncios murmurados
Nas pedras construídas de ventania
Em cimentada agonia
Sussurrada cantoria
Em lábios selados

A guardar secretos lamentos
Olhos vendados
Dúbios sentimentos
Débeis pensamentos
Pulsos cortados
E o sangue a escorrer
A vida a querer morrer
E a pele a endoidecer
Corpos mirrados
De prazer
...

Vou misturar as flores mortas
As sensações as lágrimas e as vogais
A obsessiva inspiração
As palavras mais mortais
Em divinal oração
Água dividida em luz e pétalas
As sombras os umbrais e as portas
A abrir todos os ventos
E nessa vibração
No turbilhão dos pensamentos
O fiel silêncio dos deuses
Nas horas absortas

Enrugadas mãos de margens inundadas
Paisagens de olhos prometidos
Templos abençoados
Janelas enfeitiçadas
Em altares de sentidos

A escuridão derramada
De odores bafientos
E caules partidos
Flores decepadas
Verbos emudecidos
Profundezas por descobrir
Sonhos esquecidos
Sem saber o que sentir
...

Cada dia mais ausente
Como se estes versos sem rima certa
Agonizante e contundente
Decepassem palavras pela raiz do sentir
E de razão obscura e  incerta
Trespassassem o divino Sebastião
Como lanças de versos a ferir
A folha manchada pela mão
A ilegível pontuação
Em machadada na inspiração
E o refrão a repetir
Metáforas deslumbradas
Metamorfoses inventadas
Em títulos de livros por existir
Ou andores de poemas em procissão
E nessa ausência dividida
O verso partilhado
Cada dia mais absorto do instinto
Pequenos rasgos na vida
O poema trespassado
A loucura que consinto
Ritmado andor
Em longínquos lapsos de memória
Tão distante e esquecida
Laivos de dor
Brecha ou disfasia
A lembrança ilusória
Cacos de poesia
Ou a noite perdida
Inglória
...

Deixa-me versos
Com silêncios rasurados
E furtivas palavras a espreitar o sentir
Das marés vivas no litoral da inspiração
E praias escondidas nos cânticos do teu ser
Sobre as areias os teus passos
Ousam deslumbrados escrever
Os poemas que o teu sangue endurece
E quando anoitece
Na calmaria das águas escurecidas
Acontece a poesia

Em vagas de palavras sobre o areal
Do teu olhar de verbos de um gerúndio sedento
Como um deserto carnal
A rasgar as dunas pelo vento
Em doida fantasia

Sem saber que barcos sulcam o poema
E o casco da alma atormentada
Sorumbática e serena
Entristece entre a loucura e a melancolia
Dividida e multiplicada
Em valados de veias por abrir
Ou a súbita palpitação
De navegado sentir
O rumo desorientado
Do apaixonado coração
A bater por existir
...

Um destes dias
As negras aves com que adormeces
Os meus olhos nas tardes entristecidas
Deitadas nas horas sombrias
Sem saber se mereces
Mais do que a luz ou as coisas já esquecidas
Vou mostrar-te
onde mergulham as sombras ao entardecer
E rasgam de fogo lentamente
O azul manchado das tuas mãos dormentes
A arrancar crepúsculos incendiados
Nas negras asas das aves a arder
Em bandos tardios de longínquos poentes
Olhos húmidos e afogueados
Trémulos a desfalecer
De uma tristeza profunda e nua
E a certeza de que um dia destes vais saber
Onde se esconde a lua
Quando ao anoitecer
Um rio de escuridão
Ensombra a noite do tamanho do teu olhar
Em intimidada sedução
Abre as asas e parece abraçar
De estrelas
Todo o paredão
...

Vêm do litoral a norte
Ventos de versos a explodir
Maduros frutos a eclodir
Bravas sementes de palavras
No arado chão da fria aragem
O poema segue em viagem
Todo ele a fazer-te sentir
Nas pedras duras macias mágoas
Sonetos da íntima morte
E o poema a desistir
Da quase poesia

Um fulgor da distância
A quebrar tempo e melancolia
E um vendaval a varrer
As dunas e a maresia
Um travo de medo
Talvez a infância
A querer dizer
Que ainda se faz cedo
Para morrer
...
musa

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