CEIA DE VERSOS
São íntimas as noites
Que alimentam nascente de águas enfatizadas
De uma fome de ceia de versos
Saciadas madrugadas em rios por correr
Leito adormecido de caudais
A brutal trepidação de sinónimos
Ou líquidos substantivos
De verbos metais
A doer
Neste agitar de águas metaforizadas
Tempos imaginativos
Sulfúrico odor do pranto
Química sentimental do olhar
As veias pulsantes e rasgadas
Na carnal dor do desencanto
De versos a pulsar
Em lírico canto
E todos os silêncios murmurados
Nas pedras construídas de ventania
Em cimentada agonia
Sussurrada cantoria
Em lábios selados
A guardar secretos lamentos
Olhos vendados
Dúbios sentimentos
Débeis pensamentos
Pulsos cortados
E o sangue a escorrer
A vida a querer morrer
E a pele a endoidecer
Corpos mirrados
De prazer
...
Vou misturar as flores mortas
As sensações as lágrimas e as vogais
A obsessiva inspiração
As palavras mais mortais
Em divinal oração
Água dividida em luz e pétalas
As sombras os umbrais e as portas
A abrir todos os ventos
E nessa vibração
No turbilhão dos pensamentos
O fiel silêncio dos deuses
Nas horas absortas
Enrugadas mãos de margens inundadas
Paisagens de olhos prometidos
Templos abençoados
Janelas enfeitiçadas
Em altares de sentidos
A escuridão derramada
De odores bafientos
E caules partidos
Flores decepadas
Verbos emudecidos
Profundezas por descobrir
Sonhos esquecidos
Sem saber o que sentir
...
Cada dia mais ausente
Como se estes versos sem rima certa
Agonizante e contundente
Decepassem palavras pela raiz do sentir
E de razão obscura e incerta
Trespassassem o divino Sebastião
Como lanças de versos a ferir
A folha manchada pela mão
A ilegível pontuação
Em machadada na inspiração
E o refrão a repetir
Metáforas deslumbradas
Metamorfoses inventadas
Em títulos de livros por existir
Ou andores de poemas em procissão
E nessa ausência dividida
O verso partilhado
Cada dia mais absorto do instinto
Pequenos rasgos na vida
O poema trespassado
A loucura que consinto
Ritmado andor
Em longínquos lapsos de memória
Tão distante e esquecida
Laivos de dor
Brecha ou disfasia
A lembrança ilusória
Cacos de poesia
Ou a noite perdida
Inglória
...
Deixa-me versos
Com silêncios rasurados
E furtivas palavras a espreitar o sentir
Das marés vivas no litoral da inspiração
E praias escondidas nos cânticos do teu ser
Sobre as areias os teus passos
Ousam deslumbrados escrever
Os poemas que o teu sangue endurece
E quando anoitece
Na calmaria das águas escurecidas
Acontece a poesia
Em vagas de palavras sobre o areal
Do teu olhar de verbos de um gerúndio sedento
Como um deserto carnal
A rasgar as dunas pelo vento
Em doida fantasia
Sem saber que barcos sulcam o poema
E o casco da alma atormentada
Sorumbática e serena
Entristece entre a loucura e a melancolia
Dividida e multiplicadaEntristece entre a loucura e a melancolia
Em valados de veias por abrir
Ou a súbita palpitação
De navegado sentir
O rumo desorientado
Do apaixonado coração
A bater por existir
...
Um destes dias
As negras aves com que adormeces
Os meus olhos nas tardes entristecidas
Deitadas nas horas sombrias
Sem saber se mereces
Mais do que a luz ou as coisas já esquecidas
Vou mostrar-te
onde mergulham as sombras ao entardecer
E rasgam de fogo lentamente
O azul manchado das tuas mãos dormentes
A arrancar crepúsculos incendiados
Nas negras asas das aves a arder
Em bandos tardios de longínquos poentes
Olhos húmidos e afogueados
Trémulos a desfalecer
De uma tristeza profunda e nua
E a certeza de que um dia destes vais saber
Onde se esconde a lua
Quando ao anoitecer
Um rio de escuridão
Ensombra a noite do tamanho do teu olhar
Em intimidada sedução
Abre as asas e parece abraçar
De estrelas
Todo o paredão
...
Vêm do litoral a norte
Ventos de versos a explodir
Maduros frutos a eclodir
Bravas sementes de palavras
No arado chão da fria aragem
O poema segue em viagem
Todo ele a fazer-te sentir
Nas pedras duras macias mágoas
Sonetos da íntima morte
E o poema a desistir
Da quase poesia
Um fulgor da distância
A quebrar tempo e melancolia
E um vendaval a varrer
As dunas e a maresia
Um travo de medo
Talvez a infância
A querer dizer
Que ainda se faz cedo
Para morrer
...
musa
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