ELOGIO À LOUCURA (em memória de Maria Zamora)
Sentei-me na escada comprida
Diante do cadáver de todas as mulheres
Que um homem matou
Tirou lhes a vida
Segredando lhes ao ouvido
... "Se ainda me quiseres..."
E apertar o garrote de seda crua
Ainda lhes sussurrou
... "Como és bela nua..."
E a vida passa diante do olhar
Desce degrau a degrau
Vai para a rua
Dançar
Na TV falam de um homem mau
Dizem que cometeu um acto de loucura
Falam dele todas as televisões
Comentam a barbárie e a tortura
Escada abaixo rolam todas as ilusões
Tropeça a serenidade
No patamar dos sentidos
Elogia se a fatalidade
Os olhares ofendidos
Calam a frialdade
Do meigo terror
Talvez um dia eu desça as escadas a correr
Para abrir a porta a todas essas mulheres com olhos de dor
Que no poema eu vi morrer
Em poesia elogiada falso amor
Um travo de boca
A palavra louca
Apunhalada
...
musa
“olhem bem: este é o olhar da Maria Zamora. 1 ano depois o MP
nada diz à família.
Maria, prometo-te que vou saber do processo contra a besta que
te andou a fazer mal, ele será responsabilizado. não serás esquecida. para que
nunca mais nenhuma mulher sofra o que tu sofreste. prometo que vou continuar
fazer filmes, a escrever, a lutar e a dar a cara por todas as mulheres que não
conseguem ter voz, como tu me pediste um dia.
A Maria Zamora é, era, será sempre para quem a conheceu,
pessoas maravilhosa, actriz talentosa, amiga extraordinária, transmontana de
fibra, clown arco-íris, música de 7 instrumentos, melhor cantora do Maná-maná
dos Marretas do mundo inteiro, florista, pessoa duma imaginação e duma
generosidade infinitas, corajosa lutadora contra todas as adversidades que a
vida lhe pôs desde criança, vida dura, e foram muitas. merece todo o nossos
respeito, admiração e questionamento sobre como é que nós, a nossa sociedade
trata as mulheres quando elas são vítimas de violência.
a tua morte não me parece real, minha mais que querida Maria.
Quando chegar a Lisboa vou ligar-te, vens lá a casa beber um chá e como de
costume vamos conversar e rir das amarguras como só tu és capaz de o fazer. as
verdadeiras palhaças riem mesmo quando choram, não é, Maria?
prometo-te que quando voltar a Portugal vou saber processo
contra a besta que te andou a fazer mal, ele será responsabilizado. não serás
esquecida. para que nunca mais nenhuma mulher sofra o que tu sofreste. prometo
que vou continuar fazer filmes, a escrever, a lutar e a dar a cara por todas as
mulheres que não conseguem ter voz, como tu me pediste um dia.
vejo que nos escrevemos longamente mesmo antes de eu partir,
tento ver sinais, não encontro. a tua ternura, a tua gentileza, brilham em cada
palavra. revejo que me escreveste há 2 dias, a música, a grande paixão, nina
simone.
prometo-te que não estarás sozinha nunca mais, Maria.
foste, és e serás amada por quem tem a alegria de te conhecer.
aqui não há passado. o tempo é uma coisa relativa, tu sabes
bem, Maria. aqui há só amor e um bocadinho de saudade que teima em me embaciar
os olhos.
tua,
raquel freire. —“
Sem comentários:
Enviar um comentário