NA LAMA
DA FELICIDADE
Já não há
mais segredos entre nós. Descobrimos a verdade na foz dos nossos sentidos onde
o mar se junta com o rio e o sal das lágrimas se faz doce na humidade dos olhos
cheios de sorrisos num abraço de sentir que se quer mais e mais e os dois
juntos deitados na relva selvagem do estuário repleto de aves saltitando entre
marés de vagas dançantes com asas de vento em rasantes instantes de um mistério
emocional por descobrir.
Por um
momento deixamos as mãos tocarem-se envergonhadas do tempo que as apartou,
apertando-se e fechando-se num sentir do tamanho do mar e com a força do rio e
a sensação de sossegar dentro de nós o cais de lodo que espera uma vaga para
encher e fazer dançar a barca no leito seco do porto.
Só queria
fazer-te sentir que o tempo parou onde o mar se junta em sal e doçura e na
dança das águas da foz ainda há gaivotas que vão partir e outras que vão chegar
como os nossos sonhos que não vivemos. Corre um rio de águas profundas e um mar
de enchentes e baixios onde as aves nidificam escondendo os sonhos por cumprir.
Mesmo não sabendo dos secretos instantes em que me sonhas acredito nos pássaros
migratórios que levam e trazem momentos que foram nossos e serão sempre a praia
da memória que fica para recordar em vagas de sentidos.
Fico com
os teus dedos enrolados nos meus cabelos como as aves por entre os juncos em
segredos e sentimentos, guardo o cheiro das tuas mãos em adocicada ventania com
aromas de fenos e paisagens sobrevoadas noutros continentes, lembro perfumes
das areias do deserto mais a sul na penugem molhada de asas com rumos
longínquos na serenidade de horizontes e alvoradas enamorados dos astros
celestiais na eternidade do tempo consagrado ao recordar da vida.
Há na
ponta dos teus dedos um gosto seminal deixando odor a saudade exultando desejo
e aventura na foz dos meus sentidos no rio da minha carne no mar dos meus olhos
no estuário das tuas mãos fazendo-me mulher na ponta dos teus beijos pelo vento
dos lábios em desorientada espera. Tenho-te como um segredo íntimo e visceral
em sintonia com as aves as asas e as vagas que ainda adormecem nos meus sonhos
e rodopiam nas palavras em embate na foz do sentir, e basta-me uns segundos da
tua mãos e o cheiro dos teus dedos com perfume do tempo em que nos confrontamos
num vale de lençóis e gestos em suor saliva e sémen partilhados no leito seco
de barcas por naufragar. Eramos tu eu e todas as memórias sobreviventes dentro
de nós e o sonho por resgatar das vagas soltas dos sentidos em maré cheia de
deslumbramento. Quando estás comigo é assim.
E ninguém
sabe que segredos contamos pelos caminhos à beira-mar nem quantos dos teus
dedos se emaranham nos meus cabelos em secreto sentir e partilha de palavras e
pensamentos e o gosto das conversas na brisa fresca cheirando a mar e
molúsculos salgados e penas e murmúrios dos patos do pantanal no estuário da
foz que descobrimos com os olhos vazios de separação.
Contas-me
os teus sentidos e eu ouço o respirar emocionado das lagrimas por chorar no
canto dos teus olhos no colo dos meus e ficamos assim os dois perdidos em
conversas trazidas pelas aves migratórias ao estuário da foz entre areias e
dunas incumpridas.
És um
segredo que eu conto muitas vezes em riscos no céu feitos por aviões que chegam
e partem por cima do mar e mergulham em cidades cansadas de viver perto de
margens por descobrir e quando me dizes que o Porto é mais bonito visto do
outro lado do rio já eu adivinho os teus sonhos por cima dos meus com vontade
de dividir o leito seco do Douro e humedecer corpos e olhares em incansável
instante devorado pelas chamas do amor nas águas frias do mar em que a foz se
faz berço de vagas e areais de devaneios.
Não sei
quem inventou a felicidade sobre a lama do contentamento ou quem sabe o real
sabor e sentir dos sentidos em deslumbrada vontade de humedecer a lama visceral
dos desejos perdidos ou proibido querer no lamaçal fecundo das vísceras
arrancadas ao desgosto e angústia de não viver feliz. Os nossos minutos de
felicidade são como aquela barca esperando a maré encher, na foz do rio na orla
do mar, nem cais de sentidos tão profundos como o sentir que fazemos em nós
vivendo.
…
musa
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