terça-feira, 27 de março de 2012

MAR DE SENTIR (sábado 24 de Março 2012 – 35 mn/46 quadras)

“MAR
 De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar

“Mas nunca se sentem fartos”

“Sophia de Mello Breyner Andresen”

1-Em todos os portos do universo
Encalho de saudade e nostalgia
Em cada poema em cada verso
Me enamoro mais da poesia

2-Amo de amor forte e profundo
Gargantas perdidas ser e sentir
E desde que o mundo é mundo
Que eu não me canso de repetir

3-Como extasiada vivo ao segundo
Seio das palavras possa repartir
Mar de poemas onde me afundo
Náufraga solidão possa consentir

4-Com ela sigo proa de sentidos barcos
Nas águas balanço ao sabor maresia
Tenho olhos humedecidos e fartos
Deste sal das lágrimas da poesia

5-Choro canto em derramado rio
Que na foz se faz ao mar
E de inspiração preenche vazio
Em estuário declamar

6-É nas falésias pensamento
Em cais de sentir suspirado
É sal acumulado sentimento
Em versos aportado

7-Redes estendidas sobre areal
Gente das palavras pouco entende
Força que se ateia rude e braçal
O que no poema apenas pretende

8-Mar palavras de pouco sustento
Alimento sentimental da poesia
Apenas os poetas sentem o alento
No verso fundo mar da fantasia

9-Suspiro cada estrofe doce vaga
São marés cheias e marés vazias
Tanto desse azul que olhar guarda
Em praias solitárias e sombrias

10-E não me canso nunca de te cantar
Fonte salgada de eloquente prazer
Tão imenso este amor por ti oh! Mar
Amada me sinto por assim te querer

11-Cada grão de areia estendal sentido
Força imensurável razão de vida
Trágico naufrágio incompreendido
É o doce momento da despedida

12-Serão mais as areias do que os poetas
Mais imenso o mar do que a poesia
Nada como a intensidade que despertas
Quando corre o rio da melancolia

13-Todas as águas que recolhes em ti
E dão-te o ser e a profundidade
Todas as mágoas que já senti
E dão-te o ser e a identidade

14-Oh! Mar salgado de todas as penas
Mar de rios caminhos e destinos
Mar alterado que de ondas me acenas
Mar de sonhos saudosos clandestinos

15- Fico assim pasmada diante do azul
Que nos olhos se enche de admiração
Perco-me no sentir do norte e do sul
Tal é esta minha incansável paixão

16-Mar que emudece meu pranto olhar
Desfalece cascos em águas quietas
Macios abraços nas pranchas de surfar
Em bolhas de sal aos olhos libertas

17-Identificaram-te de Costa Verde
Mar desordeiro de douradas dunas
Nele espraio meu sentir e minha sede
Todo salpicado de misteriosas runas

18-Mar de berços de afamado sal
Salinas de outros tempos Marinha
S. Félix cantinho de Portugal
Que agora faz parte da minha sina

19- Paragens de encantado namorar
Mar que de palavras tu me ensines
Do choro das lágrimas transbordar
A ponto que um dia ainda estimes

20-Não sei se alcançável serei
Como planetas ou as estrelas
Nunca o universo almejei
Para assim me comparar a elas

21-Mas as palavras do mar o brilho
Ofusca reclamada tentação
Seguir-lhe atentamente o trilho
Que me leve a essa sagração

22-Fazer da poesia marítimo canto
Hino de prece que de amor enaltece
Nobreza do pensar ode pranto
Que em palavras se tece

23-É tão descomunal este mar de sentir
Que às vezes naufrago dentro de mim
E dou comigo sensata a concluir
Que nem a morte trará meu fim

24-Surpreendida capaz de outros desejos
Faço-me ao mar de palavras em casca de noz
Deixo-me embalar por murmúrios e beijos
Escuto-lhe sussurros atendo-lhe a voz

25-Sei que ele já foi de outas poetisas
Sei como lhe foi rei em trono de sentir
Estendeu seu manto consultou pitonisas
Foi musa aclamando navegante existir

26-Mar que da estranha vida devolvida
Secreto bailado de sal e de espuma
Trazes nos corpos a morte escondida
Das ondas que arrastas uma a uma

27-De praias extasiadas e nuas de luar
Espelho de águas no verso humedecido
Todas as noites bailam no soluçar
Das pedras gastas de choro incontido

28-À flor da água pétalas de claridade
Reluzem de prata ao calor do sol doirado
Mesclam de cores o azul tonalidade
O mesmo anil do meu olhar enfeitiçado

29-Penas de gaivotas pássaros de luz
Ecos de fantasmas ou de outras almas
Este mar sonoro que tanto me seduz
Que quando calmo parece bater palmas

30-Nos dias tempestuosos sinto-lhe o arfar
Gigantesca crina que tomba de rompante
Qual estro marinheiro em secreto bailar
Da vaga poderosa sobre corpo do amante

31-Circulos de luz metáforas geometrias
Vagas que se soltam em espraiadas dunas
Arrasam e arrastam areias em euforias
Ondas armadas altos mastros de escunas

32-Ébria sede amor palavra erotizada
Praia a praia sacio-me de sensualidade
Comungo do vento sol chuva amantizada
Em ténue fusão de metafisica saudade

33-Sei-lhe o amargo gosto no gume fugidio
Faca com que corta o pão de marinheiros
O quanto do desgosto no brilho luzidio
Dos raios ao luar serenos traiçoeiros

34-Consagrado às Nereidas ninfas do mar
Cabo do verso mais profundo que o medo
Da loucura fome de todo esse trespassar
Quando a noite vigia o perigo em segredo

35-Mar que sejas em mim fonte nascente
Para lá de todos os horizontes percorridos
Ao meu sangue acorre apenas um afluente
Que leva na enchente todos meus sentidos

36-Tem maré de alto e baixo sentir
Escarpas molhadas liquénicos mantos
Concha arroladas nacre duro vestir
Na pele enfraquecida dos quebrantos

37-Mar de intempéries leis do profano
Ergo-te santo altar de sentidos ateus
Na areia da praia deixo desejo insano
Terrena consagração dos versos meus

38-Mar Poesia caminho profundidade
Quanto do teu sal são lágrimas doces
Ainda que o berço de toda a saudade
Mel dos meus olhos queria que fosses

39- No destino dos homens marinheiros
Deitam-se redes apanhando memórias
Todos quantos já foram prisioneiros
De sereias em muitas belas histórias

40- Não sei dizer o tamanho desse amor
A cada dia que lá vou encher meu olhar
Abro os olhos que desabrocham a flor
Com pétalas de um azul intenso mar

41- Poderei morrer em terra no chão
Caída qual flor que murcha ao tempo
Mas à flor da água do mar na solidão
Esvoaçarei penas da alma sentimento

42- Mar que palpita doce quente tamanho
Veias de sangue translucido maresia
Nesse sentir imensidade tão estranho
Que fica por dentro a soluçar nostalgia

43- Praias de tantos lugares desencontradas
Areias tão perdidas em fabulosos recantos
Marés vagas e mansas de ondas reboladas
Como choros sentidos melodiosos prantos

44- Fora eu vaga nas tuas águas escondida
Bailando areias finas de passos de danças
Ritmando de paixão o tempo o ser e a vida
Menina dançarina de espumosas tranças

45- Sou apenas uma mulher digna do pensar
Com portas azuis a uma alma prenhe loucura
Tenho umas escadas que sempre levam ao mar
Todo o pensamento que se faz dessa procura

46- Procuro em ti oh! Mar procurei sim
Para além de todo o sentir dessa espera
Todos os anos vividos dentro de mim
A cada tempestade a vida que desespera
musa

1 comentário:

Odete Ferreira disse...

Extraordinário trabalho poético....

Leio sempre com muita atenção as tuas publicações, embora não haja tempo para as comentar como mereciam. Na tua escrita é-me sempre marcante o léxico e a sua colocação frásica, além da versatilidade temática e formal.

É quase impossível visitar os lugares que gostaríamos, há as páginas pessoais, os grupos poéticos - que quase não tenho visitado -, os blogues (isto só para referir a parte literária...), daí as visitas serem, neste teu belíssimo cantinho, raras...

Bjo, amiga :)