segunda-feira, 17 de outubro de 2016

CINQUENTA ANOS E UM AMANTE

CINQUENTA ANOS E UM AMANTE

... eu abdicaria da eternidade para morrer nos teus braços... de amor...

"- Prometes que não me {fritas}?" - a frase apareceu assim do nada, a sussurrar algum receio, medo, intranquilidade, no ilícito da fidelidade, chaveiro tímido do desconforto sentimental ou a possibilidade da infidelidade acontecer, fiel argumento para o avanço do delito.
Aos cinquenta anos, assim do nada, ganhei um amante.
Não procurava nada disso. Aconteceu.
Tornei-me uma espécie, catalogada como amante, soa a clichê estereotipado, com todos os prováveis argumentos válidos para que assim tivesse que acontecer, mas não, nenhum dos dois andava em busca do comprometimento afectivo que pudesse explodir em vale de lençóis a cada encontro fortuito, próprio da loucura destes momentos, como se o mundo fosse acabar no dia seguinte, ou o mundo parasse enquanto houvesse saliva suor e sémen, e quatro mãos e duas bocas e braços multiplicados em abraços e pernas emaranhadas em pernas, até o cansaço progredir a uma rendição fisiológica capaz de atenuar essa atracção mística e deslumbrada do que acontece porque o universo conspira como se dois seres tivessem sido feitos um para o outro.
A arrebatada sensualidade à flor da pele.
E digo isto porque o amor feito assim, que deixa o corpo todo a tremer, a pele a estremecer até à alma, o êxtase vivo sublimado carnal em explosão de prazer, um sem fim de mil orgasmos que acontecem dessa química visceral, essa {fritura} quente, explosiva, louca, corrente eléctrica percorrendo poro a poro toda a superfície cartografada de pele e sentidos, choques eléctricos repetidos, encandeamento que leva o desejo a chocar frente a frente, com a excitação desenfreada como se o universo ganhasse a mais luminosa estrela ou uma chuva de meteoritos acontecesse dessa explosão de sentir.
Não sei se todas as mulheres algum dia, ganham assim um amante sem data marcada, sem dia, sem hora, sem tempo, mas a certeza intrínseca de que se realiza, somente o inevitável acontecer de encontrar a outra metade em que a excitação se completa satisfação e resta depois uma estranha serenidade e harmonia, um vinculo afectivo sem título algum, um enamoramento de circunstância, sem culpa nem compromisso, uma confiança mútua e respeito e acreditação e um dever moral de aceitação da situação inofensiva que gere a emotividade das vidas próprias de cada um, distanciadas e tão diferentes, como dois desconhecidos que jamais se cruzaram por aí.
Como dois fantasmas, invisíveis aos olhos alheios, insuspeitos que só existem num único momento da vida, numa união de cumplicidade,  intimidade, e isso só pode ser paixão, ou outro sentimento novo, nunca existido, inventado para que possa ser vivido assim e agora.
Ser parte de ti aos cinquenta, ser parte do teu ser, seres parte de mim, a magia de viver esta fogosidade inexplicável que acontece sempre tão magnânima, tão doce, tão louca, tão nossa.
Ninguém pode sentenciar, seja de que maneira for, ou com que razão, este nosso entendimento, secreto e discreto, o nosso segredo, a transpirar silêncio, ausência, entendimento espiritual, jamais vivido de outra forma, sem a importância se sobrevive ao amor, ou a contrariedade da paixão ou a relatividade do ciúme, será algo assim, a força de acreditar, algo ainda sem nome ou identidade.
E ter consciência de que tens uma família, com quem estás todos os dias, uma esposa com quem te deitas todas as noites e que te espera com a devoção matrimonial própria dos afectos dos casais felizes, filhos que beijas adoçando vidas, amigos que nem sabem da minha existência, projectos, obrigações, consequências dos teus actos, e a impossibilidade de trair qualquer sonho por imposição social.
Ter-te como amante, ser tua amante aos cinquenta, deixa-me com um gosto de viver igual ao sentido de gozo que as tuas mãos ganham na ponta dos dedos quando tocam a harpa dos delírios e fazem a magia de sorrir com o olhar.
ana barbara santo antonio

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