miniconto - dedicado ao Desconhecido...
NA PRAÇA DO PÃO
Chove e eu não sei mais o que escrever e estamos
quase no fim de junho e não faz calor nem veio o sol nem vieste tu.
Já não te espero e vou todos os dias ao mesmo
lugar onde marcamos nos encontrar para desfazer o mistério que entrançamos de
interrogações sem termos tido tempo de esclarecer quem queria o quê e o que
ambos buscávamos para além da descoberta e da surpresa.
Não sei quantos dias se passaram mas o cheiro a
pão quente e a bolachas torradas ainda é o mesmo e o café forte conserva o
aroma de terras africanas empacotadas à espera da moagem fina e da água
fervente tornando negro o sabor que perdura na boca cheia de saudade e derrama
nos olhos dias inteiros de ilusão.
Fico sentada na padaria Ribeiro juntando os cacos
de toda uma vida, mordiscando cacos mergulhados no café fumegante, enamorada
desde há séculos pelos biscoitos tradicionais, os “cacos”, pequenos
quadradinhos de massa recortada de perdido sabor lembrando distrações da
tesoura e de uma folha de papel dobrada em quatro recortada aos biquinhos em
toda a volta.
Desdobro a folha escrita a lápis onde guardei a
intenção e a ousadia do teu desafio proposto ao fim de cinco horas de embate de
palavras desditas e desarrumadas entre uma ida ao banheiro e meia dúzia de
fotocópias tiradas às pressas para não te fazer esperar muito na resposta que
encavalitada nos bites ligava a beira-mar a Miragaia e decompunha sentidos em
entrelinhas cheias de fantasia.
A nossa estória nasceu sem saber que seria uma
estória que os dois inventávamos para matar o tédio de horas repetidas e usadas
em papelada de escritório. Num mato estranho de solidão escurecida por um fim
de tarde prematuro deixaste entrar o destino por cima de telhados por inventar,
molhados de chuva e sacudidos de frio e vento como se o inverno tivesse vencido
uma batalha e vencedor tivesse derrotado o verão deixando-o moribundo e ferido
de lágrimas esfriando a claridade sobre a cidade cinzenta e húmida.
Gosto dos telhados molhados da Ribeira e de
Miragaia e da Foz com o casario espelhado nas águas do rio Douro. Gosto das
claraboias salpicando telhados em colorido envidraçado de cores e zinco e ferro
e madeira torneados e cataventos de desnorteadas rosas-dos-ventos bramindo a
ventania em sussurros e cânticos na ofuscada luz ventilada de sonho e magia.
Tenho a certeza que foi essa magia das claraboias
que nos juntou na Praça do Pão e trouxe mistério a um enamoramento de palavras
como cacos doces e estaladiços.
EU — Ola...
TU — Olá. Perfil engraçado o teu Eu!!!! Apaixonada...
por gatos?
EU —Nem por isso, mas admiro a personalidade
felina, esquiva rebelde solitária.
TU — Revês-te nela?
EU — Gosto de telhados.
TU — Lol… boa... como os preferes?
EU — Sem pretensão de competitividade com o homem
aranha.
TU — És gata...
EU — Gosto de claraboias rompendo por entre telhas
vermelhas.
TU — Também gosto... no Porto tem algumas...
EU — Eu sei já as espreitei.
TU — Por dentro ou por cima? Gostava de conhecer:
gosto da luz que passa por elas.
EU — Subi a algumas ali pelos lados das Galerias
de Paris na Praça Carlos Alberto, Praça do Pão… e vistas da Torre dos Clérigos
são magníficas!
TU — Um dia destes, dás-me uma volta por elas?
EU — Deviam dar-lhes mais atenção. Lamento o
abandono em que se encontram a maioria delas.
TU — Estes dias estava na Ribeira, do lado do Cais
de Gaia, e de lá vê-se a do Palácio da Bolsa toda iluminada, muito bonita.
EU — Sim. Raras são as mentes que olham a luz por
onde ela não passa.
TU — Isso é muito complicado... acordei à pouco,
dás-me um nó nos neurónios...
EU —Arrancas-me sorrisos… pensamento felino.
TU — Como te chamas?
EU — O que é que nos deu vir para aqui falar em
telhados claraboias e sonhos... Que nome me darias?
TU — Já tinha pensado: olha, falar de claraboias...
quem diria.
Ah… o teu nome: requer ponderação.
EU — Além de nome é um adjetivo.
TU — Mais fácil. Linda.
EU — Não. Mas posso te adiantar que em tempos
ocuparam a Península ibérica.
TU — E dá um nome feminino?!!
EU — Sim!
TU — Romana.
EU — Não.
TU — Pois, faltava ser adjetivo... mas antes da
formação de Portugal?
Preciso mais pistas.
EU — Acordei a pouco isso requer voltar à História.
TU — lol… desisto.
EU — Sim antes da formação.
TU — Diz-me uma coisa obvia...
EU — O Viriato não se entendeu muito bem com eles.
TU — O Viriato foi com os romanos.
EU — Esta foi para despistar.
TU — Já estava no google...
EU — Não são assim tantos os nomes dos povos que
ocuparam a Península.
TU — Pois não, por isso estou a ficar danado.
EU — Pertenço à nobreza selvagem.
TU — barbara…
Acertei?
EU — Sim.
TU — É um nome invulgar na nossa geração.
EU — Celtibérica.
TU — Mas gosto!
EU — Loiros olhos azuis.
TU — Herdaste isso também?
EU — Herdei da minha bisavó que tinha olhos de céu
e mar.
TU — Mas o cabelo não...
EU — Sim o cabelo também.
TU — Na foto tens cabelo escuro... pintas?
EU — Ao contrario das loiras detestava a cor do
cabelo e pintava, agora não pinto.
TU — Então, quanto tempo tem a foto ?
EU — 20 anos.
TU — Pouco se vê...
EU — Mas só mudou mesmo a idade…
TU — Acredito.
E a cor do cabelo.
EU — Continuo a querer subir aos telhados.
TU — Quando me levas a conhecer os teus lugares?
EU — Que hei-de fazer gosto de promontórios.
TU — Dão-me alguns arrepios...
EU — Medo de alturas?
TU — Respeito.
EU — Sim mas gosto de sentir o ar da respiração
cortado.
TU — Não és suicida, pois não?
EU — Já estive em pontos bem em altos.
TU — És mesmo gata...
Quis perguntar se tinhas noção da realidade e se
não te colocavas em situações demasiado perigosas?!
Gostava de continuar a falar contigo, mas estou
morto de fome... podemos continuar outro dia?
EU — Quem sabe a gente se encontra aí por um
telhado.
TU — Sim, quem sabe...
Outro dia volto aos telhados.
Hoje andei de cabeça no ar: a olhar para
telhados...
Não te vi. Diz-me onde costumas afiar as unhas
antes de subir aos telhados.
EU — Um bom enredo para um filme... se o Spielberg
nos descobre...
Mas tem que haver muita magia e fantasia q.b. ...
TU — ... magia e fantasia, Harry Potter: afias na
Lello?
Olá Barbara!!! Como vai a semana?
EU — Vai péssima! Telhados molhados.
Onde escondeste o sol???
TU — Pois é... espera pela lua.
EU — Para jogar ao esconde esconde?
TU — Pode ser que não esteja tapada.
EU — Sabes que nunca li Harry Potter.
TU — Eu também não... mas li umas noticias que
referiam que a livraria Lello terá sido inspiração.
Já estiveste mo promontório mais alto da europa?
EU — Nos picos da europa sim.
TU — Fica na Ilha da Madeira.
São 500 e qualquer coisa metros a pique para o mar.
EU — Coloridos a parte e alturas acho que o
planeta está com uma crise de nervos. Não sei onde estas agora, mas onde estou
eu, chove a potes.
TU — Onde estás?
EU — Neste momento em Espinho. Vim às sardinhas,
ao peixe. Gosto da frase que tens escrita no perfil.
TU — Peixe, imagino porquê.
Penso que a frase latina é: incógnito pro magnifica...
eu traduzi da forma que coloquei no meu perfil.
EU — Atrai-te o desconhecido?
TU — Não creio que seja sempre, mas pode ser. Só o
poder ser, é magnífico.
EU — Qual a diferença entre desconhecido e
misterioso?
TU — O misterioso tem algo mais.
EU — Falta-lhe a revelação.
TU — Isso, exato!
EU — E achas que eu vou ser desconhecida ou
misteriosa?
TU — Misteriosa, sem dúvida.
És barbara...
EU — De nome sim.
TU — Vais ao peixe a Espinho?
EU — Já comi umas sardinhas.
TU — Não vais a Matosinhos?
EU — Estava mais perto de Espinho.
TU — Estava a tentar acertar em algo...
EU — Cuidado podes escorregar, os telhados estão
molhados
TU — Estou a ver que sim... vou espalhar-me...
EU — Estou aqui a pensar… nunca ninguém se lembrou
de fabricar telhas azuis, faziam sucesso nos telhados do Porto.
TU — É mesmo! Então, não lances a ideia, não vá
alguém aproveitar...
Gostavas de ver?
EU — Telhados azuis?
TU — Sim.
EU — Devem ficar lindos.
TU — Aiii, não sei se gostaria... nem consigo
imaginar os telhados azuis.
A Ribeira ou em Gaia não. Quando sugeriste,
imaginei essa zona de telhados azuis...
EU — Eu também não estou a ver as casas burguesas
do Porto do séc. 19 com telhados azuis.
Gosto mais deles assim de chapéu vermelho.
TU — Sim tens razão. Estão bem como estão...
EU — Conservadores...
TU — A tua atracão por telhados é antiga?
EU — Em criança vivi numa casa com uma claraboia magnífica.
TU — Aí está a atracão...
EU — Sou uma caçadora sobre telhados… atraída por
claraboias laboriosas de mistério e sedução, a caça da inspiração é furtiva
misteriosa e deixada ao acaso de forma a saborear a surpresa.
Não sei o que procuro, não sei o que vou encontrar.
TU — Algo será.
EU — Algo é sempre.
TU — O que vier será uma surpresa.
EU — Gosto de desafios. Tal como os gatos nunca
sei o que vou encontrar no próximo "caixote do lixo".
TU — De momento, tens algum desafio?
EU — Tenho segredos que acabam por ser desafios.
TU — Se são segredos não me podes contar...
Costumas superar os desafios?
EU — Às vezes as pessoas acabam por merecer que se
partilhem segredos.
TU — Sim, verdade.
Se forem só nossos podemos partilhar.
EU — Só me importam os meus mesmo. E não é egoísmo
é postura de vida.
TU — És curiosa... muito curiosa.
Curiosa de singular, de merecer curiosidade.
EU — Desperto-te curiosidade.
TU — Despertas sim.
EU — E ficas cheio de interrogações.
TU — É verdade.
Existem aqui milhares de interrogações.
EU — Foste tu que me "escolheste".
TU — Estás a pôr-me confuso. A escolha foi
reciproca.
Se não tivéssemos conversado, não saberia nada de
ti, nem tu de mim.
E eu ainda não sei nada de ti. Só curiosidade.
E eu tenho a convicção que as mulheres é que
escolhem.
E tu ainda mais. És gata.
EU — Não se trata de uma escolha. Houve uma
aproximação.
Nem sei se se pode falar em lei da atracão, se bem
que isso por vezes acontece.
TU — Ou parece acontecer.
EU — Mas confesso que sim houve uma atracão pelas
palavras, pelo uso das palavras, a forma como decorreu a conversa.
TU — Vou ter de rever.
EU — Isso funciona sim.
TU — Também penso que sim...
EU — Eu tenho alguma dificuldade em manter
conversa com quem "entra a matar", ou seja, começa logo por fazer um interrogatório
sobre quem sou o que faço, detesto questionários. Ou passa logo a proposta
descarada.
Nada contra esse tipo de abordagem mas arrepia-me.
TU — Deixa-te os pelos eriçados.
EU — Faz-me ficar naquele estado tipo gato que sai
da máquina de lavar roupa ou do micro ondas.
TU — Estava a relembrar o nosso início de
conversa.
EU — Claraboias. Telhados.
TU — Sim! Galerias de Paris e Praça Carlos Alberto.
EU — E andaste a minha procura este fim-de-semana…
TU — Força de expressão... não estive no Porto,
mas olhei algumas claraboias...
EU — São magicas.
TU — Eu gosto muito.
EU — O curioso foi encontrar correspondência nesse
gosto.
TU — Gosto da luz que entra de cima. Achas...
penso que deve haver muita gente a gostar.
EU — Gosto de sombras reflexos e a dança da poeira
iluminada.
Pode ser…
TU — Diz-me uma que goste muito. Uma claraboia.
EU — Nos telhados do Porto?
TU — Sim.
EU — Deixa ver se encontro o edifício onde estive.
Em tempos, um dia aventurei-me a subir umas
escadas mais estreitas de um velho edifício, ali perto de Cedofeita e descobri
a claraboia mais bela que já vi.
TU —És demais... sempre com os telhados na
cabeça...
EU — Não consigo situá-la nas imagens que encontro
na net mas penso que fica entre a Rua de Ceuta e a Praça Carlos Alberto.
TU — Conheces uma padaria que tem na praça antes
dos leões?
EU — A padaria não estou a ver?... ou será ao lado
da Leitaria do Paço?
TU — Um dia destes vou procurar essa claraboia.....
Penso que sim... não me lembro do nome... mas sim
fica nessa zona mesmo. Tem lá uns biscoitos fantásticos, mas o importante, para
mim, são os "cacos", conheces?
EU — É um doce?
TU — Bolacha. Sortido.
EU — Toda recortada?
TU — Sim.
EU — Já me lembro. Quando estudava no Porto, lembro-me
que íamos comprar disso, comíamos enquanto estudávamos.
TU — Eu gosto... quando lá vou, compro.
EU — Acho que não como disso vai talvez para uns
20 anos.
Tinha esquecido isso completamente.
TU — Eu estou a salivar.
EU — Mas agora que trouxeste à memória, lembro-me
de passar noites a estudar e a roer disso, e ao lado o termo de café.
TU — Não é nenhum manjar, mas eu também gosto de
roer essas coisas.
EU — Quase que sinto o sabor.
TU — Tem um sabor que gosto.
Comprei não vai muito tempo. Por isso ainda há.
EU — Mas é verdade que não como disso há tanto
tempo... anos.
TU — Mas uma altura, já lá não ia há alguns anos,
pensei se ainda fariam os cacos.
EU — Há vinte anos atrás era aí sim que íamos
comprar.
TU — Há vinte anos também andei pelo Porto.
Quando vais comer cacos de novo?
EU — Isso é um desafio?
TU — É sim.
EU — Um convite?
TU — Um desafio. Tu preferes desafios.
EU — Quando voltar ao Porto vou à procura dos
cacos e deixou-te lá um bilhete.
TU — Ok. Combinado.
EU — Depois deixo-te aqui mensagem que deixei lá o
bilhete.
TU — Está combinado.
EU — Ora ai está o desafio… mas será que o bilhete
será entregue?
TU — Sim. Dizes que é para o teu amante...
Vão ficar curiosos para saber quem é.
Consegues
fazer isso?
EU — (sorrio-me)… somos doidos.
TU — Consegues mesmo fazer isso?
EU — Tenho que conseguir…
TU — Vão ficar curiosas à espera de ver o
amante...
EU — E para intrigar mais a situação, vou com uma
companhia masculina.
TU — Ai coitado, mas não o deixes embaraçado...
EU — Ele aguenta.
TU — Já tens presa à vista...
Está então combinado. Eu fico com a parte mais
fácil: recolher a mensagem da minha amada.
EU — Não me lembro de que a literatura conte sobre
um caso assim... troca de bilhetes deixados numa padaria.
TU — Também não conheço...
EU — Vamos fazer estória.
TU — É a nossa estória.
EU — Isto acontece-te muitas vezes?
TU — Não. Nunca.
A ti acontece?
EU — Já me aconteceram coisas fantásticas mas esta
é única mesmo.
TU — A sério!!!
Um dia tens de me contar. Preciso de coisas
fantásticas.
EU — Caçando inspiração... queres que te inspire…
Mas olha, achas que conseguimos trocar os bilhetes
sem nos descobrirmos um ao outro?
TU — Como assim: sem eu saber quem tu és e tu sem
saberes quem eu sou?
EU — Sim. Sem nos cruzarmos. Sem o destino nos
colocar frente a frente.
TU — Eu não imagino quem sejas.
EU — Eu tão pouco. Não sei se sabes mas tu não
tens fotos. Sei que as minhas estão trancadas e só deixo ver quem eu quero.
TU — O destino tinha de ser muito preciso.
Eu só vou saber que deixaste a mensagem, por aqui,
depois de ela lá estar. Por isso não vamos mesmo conhecer-nos antes.
EU — Quando eu passar por lá deixo o envelope com
o nome Desconhecido.
TU — Está bom.
EU — E digo que vais la comprar os cacos e
recuperar o recado.
TU — Combinado.
EU — É estranho escrever a um desconhecido...
TU — Podes dizer no bilhete: combinei encontrar-me
amanhã, mas não posso cá vir.
EU — (grande gargalhada)… tu queres mesmo por as moças (de certo são
moças) a ferver de curiosidade.
TU — Tens de te fazer amiga delas.
EU — Pois primeiro vou lá sondar o ambiente.
TU — ahahahah
EU — Não vou cair lá de paraquedas, assim sem mais
nem menos, obriga-las a pactuar com o delito amoroso.
TU — Tenho a certeza que vais conseguir.
EU — Vou disfarçar bem. Tenho que ver se não há
camaras a filmar
TU — Irra, onde vai a tua imaginação…
EU - Se bem me lembro é quase na esquina da rua.
TU — Sim, é sim.
EU — Do lado esquerdo quem vem da Praça dos Leões.
TU — Padaria Ribeiro.
Exato.
EU — Ok. Ficamos combinados.
TU — Agora vou trabalhar.
Nesta parte estamos combinados: fico à espera da
tua mensagem.
EU — Sim. Um dia destes deixo-te mensagem para
passares por lá.
Também estou quase de saída.
TU — Mas vamo-nos falando...
EU — Certo.
TU — Fica bem, tem um bom resto de dia.
Ele há dias assim.
Fechei o pc mas não resisti a escrever-te o
bilhete. Não sou de desistir.
Deixo o bilhete, por falta de coragem para esse
encontro misterioso, esperando que numa noite destas, ao luar, vislumbre a tua
silhueta sob os telhados da Baixa, talvez no rumo incerto de uma rosa-dos-ventos
numa claraboia com um catavento, de telha em telha numas águas furtadas de um
sótão cheio de coisas do passado, ao esplendor da escuridão, no calor dançante das
telhas ainda quentes do dia ao sol, com o silêncio noctívago como testemunha,
haja lugar uma serenata de sentidos em inspiração de odores, cores, sons, num
cenário de estrelas cintilantes em orvalhado sentir.
A loucura do que as palavras nos fizeram viajar,
de encontro a memórias tidas perdidas num universo de evasão e fantasia, a
busca deixada ao acaso e a certeza da aventura como plataforma para o salto no
desconhecido e misterioso mundo da sedução.
Dizer que juntamos os “cacos” para construir o
quê. Todas as construções são previamente arquitetadas, mas sonhos há que
nascem ao acaso mesmo. Gosto de pensar em “cacos” como palavras de arqueologia,
isso sim fascina-me. Os espólios perdidos são para mim uma perdição. Viajo no
tempo e nunca tenho vontade de regressar ao presente. Vejo nas claraboias o
caminho profícuo para onde ir de onde vim.
Nas palavras deponho a paixão com que nasce a
sedução, o mistério, a rebeldia quase felina de caminhar sobre telhados em
insatisfação de sentidos, mas com a opulência da paixão pela vida.
O presente juntou-nos num apartado tempo deixado
pela mão do destino, sobrevivemos entre cacos e talvez seja hora de provarmos a
doçura dessa vida feita de mistérios.
…
musa
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