quarta-feira, 8 de julho de 2009

PENAS DA ALMA PARA A MÃO

PREFÁCIO.............................................................................. Escrever é um acto de procura.................. .............. Este conjunto de poemas aponta para o percurso existente entre a organização das imagens que povoam a mente do sujeito e a decisão da escrita. A maior parte dos versos são testemunho dessa turbulência psíquica e da vontade expressa pelo sujeito em transformar essas imagens em palavras poéticas; assim, os poemas são partos da alma dados à luz através da mão. O título “Penas da Alma para a Mão” aponta, portanto, o caminho percorrido até ao nascimento da palavra; são poemas tecidos de dores “penas”, mas também expressão das ideias, fantasia, solidão e do amor vividos no eixo da temporalidade, num nicho de procura e de luz. De acordo com a alma feminina, a poesia é dotada de uma sensibilidade misteriosa, que remete para a expressão/contemplação do corpo e portadora de um espírito inquieto – balançando entre o cepticismo e a verdade, a dor e a alegria – o que revela que “o acto de dar à luz” nem sempre tenha sido fácil, apesar do encantamento subsequente. É um livro cheio de metáforas, onde jorra a força feminina aliada à vida das palavras. O elemento líquido, sob a forma de mar e de rio, invade muitos poemas e penetra nas palavras, fornecendo-lhe a seiva do amor e transformando o acto de escrita em êxtase. A marca feminina que caracteriza esta obra, através de alguns títulos, versos e mesmo pelas várias referências ao corpo e à vida da mulher, impõe-se como a verdadeira imagem do livro; aliás o título é todo ele no feminino. No entanto, há um poema que é um louvor à poesia e ao poeta, sem a reivindicação de sexo, o que reforça o gosto e a sua aceitação do/ no feminino, embora o eu confidencie que, por vezes, há um desajustamento com o tu e com os outros. O encarceramento da palavra até à sua libertação, traduzindo metaforicamente o percurso psíquico e mental do sujeito, é a trave-mestra desta poesia e o guião que apoia o leitor a interpretar as penas que a pena escreveu através da mão. O fechamento e a concentração de todas as dores e perplexidades no eu tornam o sujeito mais vulnerável e a assumir a poesia como uma revelação das forças que recaem sobre si, dotando a poesia de grande intimismo e simultaneamente de mistério. Apercebem-se momentos de luta interior, de crença e descrença, uma espécie de batalha entre Deus e o Diabo visível em “Morada aberta “, uma vontade de expurgar o mal proveniente do inferno dos sentidos para recuperar a paz e restabelecer a lucidez das palavras. Há versos de tal melancolia que nos transportam para além da morte, uma espécie de saudade metafísica e uma necessidade de renascer, pois o sujeito identifica-se como uma “sombra". Versos que afirmam uma vontade de ser outro; de ser diferente “do que poderia ter sido”. Mas esta saudade está também expressa em lugares concretos ligados a um tempo que já foi – o da infância – e ao Porto. Esse tempo de menina que ficou para sempre gravado... Não se pode fechar este livro sem olhar as imagens que o ilustram e seleccionadas pela própria autora, pois elas resultam de um entrosamento perfeito entre a mensagem dos poemas e a imagem e que a leitura inter artística ajuda a compreender “tela da alma”. No fundo, o livro é essa vontade de pintar a vida que, parafraseando o sujeito, ficou a preto e branco. Os versos são esboços e a poesia ainda deixa escorrer algum sangue. Quem conhece a Ana Conceição Bernardo não consegue ler somente as palavras, ela está nas palavras, o que causa algum embaraço a quem procura distanciar-se. O pseudónimo Ana Bárbara de Santo António resulta da sua crença nos poderes dos santos, bem visível ao longo da obra. Santa Bárbara como protectora das tempestades e aflições e Santo António o mestre da palavra, o pregador, o homem do sermão aos peixes, aquele que falou para as águas de um rio. Agora, falta a leitura silenciosa destes versos para ajudar a compreender o que intencionalmente ficou por dizer; para descobrir o que lhe pertence e está ao alcance da sua mão. Curiosamente, tendo o ser humano duas mãos, é a mão no feminino e no singular que produz a palavra já contaminada pela vontade do sujeito; a mão que ajuda a Ser. E quantos poemas serão “uma forma inventada/de um sofrimento sem nome?” ................. .......................................................................................................... Júlia Serra......................................... (Professora do Ensino Secundário e Critica Literária)

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