AO
VALE DO TUA
Serpenteando
belo horrível caminho
Trilho
trem traves negras travessia
Casario
sobranceiro ao rio pequenino
O
vale adormece verdejante poesia
Fraguas
cinzentas de inóspita paisagem
De
cores pardacentas em gélido inverno
O
comboio prossegue fantasma viagem
Pelo
Tua singelo do vale perdido eterno
Que
correria de estio nevoento e sombrio
Pedras
com a pátina do tempo incrustado
Guardam
a memória do comboio e do rio
Estações
intemporais veio de sangue águas
Corre
quase esquecido no vale sossegado
Carnais
sentidos em desassossego e mágoas
…
musahttp://youtu.be/idnzJxvWGjU
O RAPAZ DO COMBOIO DO TUA
Lembro-me de que foi em Junho e
eu deveria ter uns 19 anos, viajava sozinha de Mirandela para o Tua, no comboio
proveniente de Bragança, na linha do Tua, vestia um macacão cor de laranja
floreado, curto de alças e decote em bico, e tinha os cabelos aos caracóis
bastante loiros. Ele estava sentado a minha frente e viajava com a mãe e uma
irmã. Era um rapaz bonito.
Olhava para mim e dizia-me que eu
tinha uns olhos muito bonitos e que era bela.
A mãe e a irmã repreendiam-no e
diziam-lhe para se calar e deixar-me em paz.
Eu sentia-me muito envergonhada e
não dizia nada só sorria para ele timidamente.
Estava muito calor e a carruagem
desengonçava-se toda numa correria apressada contra o tempo, a tempo de apanhar
a ligação que vinha de Barca de Alva e prosseguiria até ao términus no Porto, para
a estação de Campanhã.
Passaram mais de trinta anos e
ainda recordo o rosto do rapaz bonito do comboio do Tua.
A viagem pela linha do Tua
deslumbrava pela beleza inóspita da paisagem agreste no vale do rio Tua, entre
penhascos em abrupto declive, grotescas pedras e olival alcantilado nos montes
que abrigavam o estio pujante do Verão absorviam o olhar embalado pela
locomotiva dançante, onde aqui e acolá pequenas vinhas verdejantes teimavam em
dar cor à paisagem de profunda quietude e poucas sombras.
O rapaz bonito só tinha olhos
para mim. Não me lembro em que estação ou apeadeiro teria entrado, e dentro da
carruagem a confusão era grande, gentes, cestos, caixas, animais, alfaias agrícolas,
ocupavam espaço e abafavam ainda mais o ambiente cortando qualquer corrente de
ar, ainda que as janelas fossem todas abertas.
Pela conversa entre mãe e filha,
apercebi-me que o rapaz vivia no Porto e tinha ido visitar a avó a Trás-os-Montes,
e estavam de regresso a casa.
Vestia camisa branca, um pullover
vermelho pelas costas e calças de ganga, e sapatilhas azuis. Tinha o cabelo
castanho ondulado e um pouco comprido e os olhos esverdeados, e algumas sardas
nas bochechas, e um nariz perfeito e pequeno.
Na estação do Tua, perdemo-nos de
vista, entramos em carruagens diferentes, eles como tinham mais bagagem para
mudar, demoraram mais tempo a sair do comboio e ficaram para trás. Eu entrei na
segunda carruagem da frente do comboio, na direção Barca de Alva para a Régua,
apesar de já estar completamente cheia, consegui um lugar junto à porta.
Tinham passado cerca de duas
horas de viagem, aproximávamo-nos do Porto, talvez perto de Ermesinde, vejo-o
vir no corredor até mim, olhando para os bancos, procurando alguém, e quando me
encontrou, pegou-me na mão e deixou-me um bilhete e voltou costas e foi-se
embora.
Eu fiquei muito corada,
envergonhada, sem dizer uma palavra. Fechei a mão e fiquei com o bilhete
escondido no interior da mão até que chegamos à estação de Campanhã. Levantei-me
peguei no meu saco, enfiei a mão no bolso do macacão e depositei lá o bilhete
sem o ler.
Tinha a minha irmã à minha espera
na estação de S. Bento, tinha que apanhar a ligação de Campanhã para lá.
Esqueci o bilhete e a história do
rapaz bonito do comboio.
No dia seguinte mudei de roupa e
guardei o macacão na mala, aí ficou até que quatro dias mais tarde regressei
novamente a Mirandela.
A minha mãe lavou o macacão com o
bilhete lá dentro, que se desfez completamente na água, esbatendo a tinta das
palavras, mas podiam adivinhar-se as palavras GOSTO DE TI.
…
musa
1 comentário:
É uma historia verídica?
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