Com alguma emoção, sem capacidade
de resposta, ouvia-o dizer como ficaria feliz se ela estivesse grávida,
arrepiava-se com esse seu consentimento transparecido sincero e emotivo,
embebecida de orgulho por conhecer e sentir e saber como ele era uma pessoa
especial na sua vida.
Queria contar-lhe de uma outra
mulher, fazê-lo interessar-se por ela e ele pedia-lhe um filho, forçando-a a
aceitar esse seu sentimento desmedido como quem promete eterno amor até que a
morte separe vidas terrenas, na longevidade das almas tidas eternizadas para
além do ser e dos sentidos.
O relógio biológico hormonal
feminino seguia a sua função organizadora de estados emotivos fazendo trepidar
corpo e mente, agora que estava mais próxima dos cinquenta, imaginava como
seria viver uma gravidez que em tempos tinha sido tão desejada, no seu corpo de
mulher evolutiva em tentações e fantasias, no seio de um tempo que ainda que
atrasado, se comprometia a ser uma vivência feliz com a paixão da vida
partilhada a dois.
Era terrivelmente estranho estar
a ouvir um homem desejar que o seu corpo concebesse de um relacionamento
furtivo, e ser ele a ter a primeira suspeita de que algo dentro de si mudava e
trepidava o seu lado emocional, trazendo à flor da pele toda a sua fragilidade
feminina própria de uma conceção virginal, pois nada fazia prever que um dia
estivesse mesmo grávida, apesar do relacionamento que mantinha secreto e fugaz.
Era uma flor em botão num campo de espigas
doiradas, papoila enrubescida em agreste sentir, seara queimada de sol
inebriado pelo canto das cigarras, independente e solitária, presa a uma
promessa que iludia passado e presente, como se o futuro não existisse no
tempo.
Os anos iam passando e ela
acomodava-se no destino que a mantinha segura e confiante nos dias que repartia
com o trabalho e a solidão, essa sim a entendia em todas as suas desesperações
e aspirações, rejuvenescia pela sua vida dupla, carimbada de fantasias e
sublimações que lhe ofereciam passagem pelo túnel do tédio, não eram mentiras
ou enganos propositados, apenas se deixava levar pelos caminhos da vida, e pela
surpresa de todas as intenções.
Aquele telefonema mudava razões e
sentimentos, assentava como tijolos empilhados sobre sensualidade e ilusão,
arrumando todos os sentidos numa argamassa invisual que camuflava qualquer
história de vida menos desprezível que a sua.
Voltando ao telefonema, ficava
muda sem saber o que responder, foi sentido tão intensamente por dentro, como
se previsivelmente fosse possível decidir sobre um assunto tão melindroso, era
até engraçado ouvi-lo sonhar sobre esse desejo de ser pai, querendo somente que
fosse uma menina.
Atendeu-lhe o telefone e a meio
da conversa arranjou pretexto para lhe falar da outra mulher, dizendo-lhe que tinha
uma coisa para lhe contar e pedindo que a ouvisse dando-lhe atenção.
Vais-me dizer que estás grávida. Do
outro lado da linha sentiu-se corar de excitação, estupefacta pela calma e
descontração na voz e na meiguice das palavras, veio-lhe à memória um sonho
antigo, pensamentos que a assolaram em sonhos e instantes de lembranças de um
leito partilhado de suor e desejo, como premeditação de um destino que a
tentava em mudança para o reino da felicidade.
Era a responsabilidade do prazer
e a liberdade desse lençol de afetos sem culpa nem compromisso, que unia os
dois numa cumplicidade sem limites, num entendimento acima de tudo o que vertia
ânimo saudável e generoso para ambos.
Normalmente é sempre o contrário,
aquela alucinação momentânea em que se descobre a verdade e se tem que encarar
a consequência do ato responsável aos dois, mas muitas vezes negado pelo
elemento másculo da questão, aquele momento tão difícil de partilhar porque
sempre se tem a noção que a responsabilidade é da mulher que se deixou
engravidar, que terá que assumir sozinha essa situação e decidir muitas vezes
na solidão do seu tumultuoso estado emocional, a sua responsabilidade em ter-se
deixado seduzir abrindo caminho aos espermatozoides libertinos que a invadem
numa ameaça de vida num arrebatamento de gozo e satisfação.
Seria uma premonição. Seria possível
ter ficado grávida de um desses instantes de amor transitado em mãos e olhares,
bocas e dermes resplandecentes de suor saliva e sémen, sémen esse que se
anichou nas suas entranhas e adormeceu secreto em colo de óvulos dando início
ao mistério da vida.
Magia maior que assim acontecia
na voz tranquila do outro lado da linha e lhe contaminava a alma de serenidade
poesia.
Ria desenfreadamente todas as
insinuações e suposições que lhe invadiam o tímpano, sorrindo como uma
adolescente apaixonada, era como se estivesse a receber o mais romântico pedido
de casamento, ou mesmo o pedido de um filho, qualquer mulher é obrigada a
sentir-se feliz perante um pedido desses, abraçando a maternidade com o coração
exultando de alegria e jubilo qual graça concedida pela paixão sentimental.
Deve ser igual ao primeiro beijo.
Mas… e essa ousadia de ser mais mulher ainda, confiando à maternidade a nudez
de todos os sentidos, na envolvência secreta da sua idade muito além do
aceitável para ser mãe. Ela que nunca engravidara, nunca sentira o ventre
crescer nem nunca tivera que colocar essa dúvida a si mesma, será que estou
mesmo grávida e nem sabia… e a idade… e a vida… o que importa nesse momento,
qual a razão para negar uma vida que quer crescer dentro de si, e o amor… como
se pode fazer um filho sem o amor… apenas deixar-se ser levado pela única
razão, o fogo sem limites da sedução, pelo prazer de viver.
Se estiveres grávida podes contar
comigo para tudo. Cumprirei com todas as responsabilidades de pai e de
companheiro e sobretudo de amigo, sempre.
Parecendo insensato mas
justamente mais revelativo do sensato que seria ter que assumir uma maternidade
tardia, o primeiro filho, a multiplicação de todos os seus sentidos, parte da
sua alma, do seu corpo, do seu ser, em partilha com o homem que tanto a
acalmava por dentro numa desinquietação tranquila, em desassossego de vontades,
já que nunca nenhum homem a tinha deixado assim, superando todas as faltas que lhe
acompanhavam a vida.
Não sabia se estava grávida. Algo
dentro de si crescia desenfreado, tomando o seu próprio rumo, mesmo que ela
negasse a si mesma, sabendo que esse segredo nunca o partilharia com ele,
deixava que as palavras de um conto de emoções gerissem sentimentos perdidos no
tempo.
Olhava para a sua escrita qual
teste de gravidez, e tentava decifrar a pontuação para positivo ou negativo,
conforme fosse essa a vontade de um Deus.
…
anabarbarasantoantonio
1 comentário:
Li pausadamente mas com a avidez que a emoção faz despertar. Adorei. Parabéns, amiga.
Bjo :)
Enviar um comentário