sexta-feira, 13 de julho de 2012

SÓ QUERO QUE SEJA UMA MENINA



Com alguma emoção, sem capacidade de resposta, ouvia-o dizer como ficaria feliz se ela estivesse grávida, arrepiava-se com esse seu consentimento transparecido sincero e emotivo, embebecida de orgulho por conhecer e sentir e saber como ele era uma pessoa especial na sua vida.
Queria contar-lhe de uma outra mulher, fazê-lo interessar-se por ela e ele pedia-lhe um filho, forçando-a a aceitar esse seu sentimento desmedido como quem promete eterno amor até que a morte separe vidas terrenas, na longevidade das almas tidas eternizadas para além do ser e dos sentidos.
O relógio biológico hormonal feminino seguia a sua função organizadora de estados emotivos fazendo trepidar corpo e mente, agora que estava mais próxima dos cinquenta, imaginava como seria viver uma gravidez que em tempos tinha sido tão desejada, no seu corpo de mulher evolutiva em tentações e fantasias, no seio de um tempo que ainda que atrasado, se comprometia a ser uma vivência feliz com a paixão da vida partilhada a dois.
Era terrivelmente estranho estar a ouvir um homem desejar que o seu corpo concebesse de um relacionamento furtivo, e ser ele a ter a primeira suspeita de que algo dentro de si mudava e trepidava o seu lado emocional, trazendo à flor da pele toda a sua fragilidade feminina própria de uma conceção virginal, pois nada fazia prever que um dia estivesse mesmo grávida, apesar do relacionamento que mantinha secreto e fugaz.
 Era uma flor em botão num campo de espigas doiradas, papoila enrubescida em agreste sentir, seara queimada de sol inebriado pelo canto das cigarras, independente e solitária, presa a uma promessa que iludia passado e presente, como se o futuro não existisse no tempo.
Os anos iam passando e ela acomodava-se no destino que a mantinha segura e confiante nos dias que repartia com o trabalho e a solidão, essa sim a entendia em todas as suas desesperações e aspirações, rejuvenescia pela sua vida dupla, carimbada de fantasias e sublimações que lhe ofereciam passagem pelo túnel do tédio, não eram mentiras ou enganos propositados, apenas se deixava levar pelos caminhos da vida, e pela surpresa de todas as intenções.
Aquele telefonema mudava razões e sentimentos, assentava como tijolos empilhados sobre sensualidade e ilusão, arrumando todos os sentidos numa argamassa invisual que camuflava qualquer história de vida menos desprezível que a sua.
Voltando ao telefonema, ficava muda sem saber o que responder, foi sentido tão intensamente por dentro, como se previsivelmente fosse possível decidir sobre um assunto tão melindroso, era até engraçado ouvi-lo sonhar sobre esse desejo de ser pai, querendo somente que fosse uma menina.
Atendeu-lhe o telefone e a meio da conversa arranjou pretexto para lhe falar da outra mulher, dizendo-lhe que tinha uma coisa para lhe contar e pedindo que a ouvisse dando-lhe atenção.
Vais-me dizer que estás grávida. Do outro lado da linha sentiu-se corar de excitação, estupefacta pela calma e descontração na voz e na meiguice das palavras, veio-lhe à memória um sonho antigo, pensamentos que a assolaram em sonhos e instantes de lembranças de um leito partilhado de suor e desejo, como premeditação de um destino que a tentava em mudança para o reino da felicidade.
Era a responsabilidade do prazer e a liberdade desse lençol de afetos sem culpa nem compromisso, que unia os dois numa cumplicidade sem limites, num entendimento acima de tudo o que vertia ânimo saudável e generoso para ambos.
Normalmente é sempre o contrário, aquela alucinação momentânea em que se descobre a verdade e se tem que encarar a consequência do ato responsável aos dois, mas muitas vezes negado pelo elemento másculo da questão, aquele momento tão difícil de partilhar porque sempre se tem a noção que a responsabilidade é da mulher que se deixou engravidar, que terá que assumir sozinha essa situação e decidir muitas vezes na solidão do seu tumultuoso estado emocional, a sua responsabilidade em ter-se deixado seduzir abrindo caminho aos espermatozoides libertinos que a invadem numa ameaça de vida num arrebatamento de gozo e satisfação.
Seria uma premonição. Seria possível ter ficado grávida de um desses instantes de amor transitado em mãos e olhares, bocas e dermes resplandecentes de suor saliva e sémen, sémen esse que se anichou nas suas entranhas e adormeceu secreto em colo de óvulos dando início ao mistério da vida.
Magia maior que assim acontecia na voz tranquila do outro lado da linha e lhe contaminava a alma de serenidade poesia.
Ria desenfreadamente todas as insinuações e suposições que lhe invadiam o tímpano, sorrindo como uma adolescente apaixonada, era como se estivesse a receber o mais romântico pedido de casamento, ou mesmo o pedido de um filho, qualquer mulher é obrigada a sentir-se feliz perante um pedido desses, abraçando a maternidade com o coração exultando de alegria e jubilo qual graça concedida pela paixão sentimental.
Deve ser igual ao primeiro beijo. Mas… e essa ousadia de ser mais mulher ainda, confiando à maternidade a nudez de todos os sentidos, na envolvência secreta da sua idade muito além do aceitável para ser mãe. Ela que nunca engravidara, nunca sentira o ventre crescer nem nunca tivera que colocar essa dúvida a si mesma, será que estou mesmo grávida e nem sabia… e a idade… e a vida… o que importa nesse momento, qual a razão para negar uma vida que quer crescer dentro de si, e o amor… como se pode fazer um filho sem o amor… apenas deixar-se ser levado pela única razão, o fogo sem limites da sedução, pelo prazer de viver.
Se estiveres grávida podes contar comigo para tudo. Cumprirei com todas as responsabilidades de pai e de companheiro e sobretudo de amigo, sempre.
Parecendo insensato mas justamente mais revelativo do sensato que seria ter que assumir uma maternidade tardia, o primeiro filho, a multiplicação de todos os seus sentidos, parte da sua alma, do seu corpo, do seu ser, em partilha com o homem que tanto a acalmava por dentro numa desinquietação tranquila, em desassossego de vontades, já que nunca nenhum homem a tinha deixado assim, superando todas as faltas que lhe acompanhavam a vida.
Não sabia se estava grávida. Algo dentro de si crescia desenfreado, tomando o seu próprio rumo, mesmo que ela negasse a si mesma, sabendo que esse segredo nunca o partilharia com ele, deixava que as palavras de um conto de emoções gerissem sentimentos perdidos no tempo.
Olhava para a sua escrita qual teste de gravidez, e tentava decifrar a pontuação para positivo ou negativo, conforme fosse essa a vontade de um Deus.
anabarbarasantoantonio

1 comentário:

Odete Ferreira disse...

Li pausadamente mas com a avidez que a emoção faz despertar. Adorei. Parabéns, amiga.

Bjo :)