Quando era criança tinha uma avó
que fazia sonhos de açúcar.
A avó Da Laica, porque assim se
chamava, tinha ela uma cadela branca de nome Laica, e antes de ser minha avó
era também avó da Laica.
Fazia bolos e comida para os casamentos,
organizava as festanças da felicidade alheia e da sua imaginação lá construía
os sonhos feitos de açúcar branco, misturando o doce dos cristais com pétalas
de flores da Primavera do mês de Maio, o mês sagrado das noivas.
Havia calor nas suas mãos
cansadas de moldar flores, pétalas e folhas que coloria com os corantes
alimentares e ornamentava com pérolas douradas trazendo ao manto branco de
açúcar todas as estrelas do universo dos sonhos.
Lembro-me da cesta de flores que
enchia de cravos ou rosas ou amores-perfeitos conforme a estação, levando para
a mesa um pequeno jardim cheiroso, um odor de perfumes naturais que cintilava
sobre o rendilhado do açúcar trabalhado sobre o bolo recheado de creme
pasteleiro ou doce caseiro.
Nos anos setenta, no interior do
país, a doceira da aldeia maravilhava com a habilidade naïf das suas mãos
gretadas dos trabalhos do campo, e fazia sonhar as noivas com sonhos de açúcar
branco.
Guardamos as fotografias dos
bolos de noiva trabalhados pelas tuas mãos, com a alma do teu suor em muitas
noites sem dormir, as horas entregues ao tempo que pouco viveste, os sonhos que
não chegaste a sonhar, e as maravilhas que nos proporcionaste enquanto crianças
maravilhadas com a tua arte de moldar flores de açúcar e fantasia.
As memórias da avó Da Laica, do
carinho com que nos cuidavas nas tuas preocupações, nos serões abrasadores das
noites de verão sem dormir, ajudando-te a vencerem o calor que te preocupava
derretendo os sonhos de açúcar, as ilusões misturadas de lágrimas e cansaço e a
alegria de fazeres o que mais gostavas, os dias gastos nos silêncios sentidos
sobre luta esgrimida com o tempo vazio de lembranças e a certeza de que nas
margens da vida deixarias humedecidas memórias como doce miragem do que o
sentir poderia partilhar no trajeto das palavras agora feitas de doces sonhos
em cristais açucarados.
Quando se abre o álbum das
fotografias onde estás, há aromas desprendidos dos bolos a preto e branco,
ponteiros rodando sonhos no relógio parado das recordações, visualizadas as cores
que memorizamos pela tua voz, e cintilantes pedrarias doces em prata perlada
como estrelas do universo dos sonhos, vindas repousar em guardadas memórias que
ficam enfeitando palavras num álbum de sentidos de mil cores.
A minha avó dos sonhos de açúcar
já partiu há muito tempo e ainda olho para as fotografias e vejo os seus olhos
repletos de fantasias doces na memória grata das noivas que ajudou a casar.
Quando olho as nuvens brancas sei
que há açúcar derretendo dos sonhos que escrevi com lágrimas feitas de saudade.
…
musa
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