terça-feira, 6 de novembro de 2012

A SER UM DIA



MEMENTO MORI

Comecei a escrever num dia de morte. A manhã surpreendeu-me com gritos agonizantes de quem perde rumo e ser. Momento mortal de ganho e perda e força de sentir e nessa perda e ganho nasceram palavras que se fundiram no tempo de ausências e saudades.
Escrevi no espectro da madrugada desde a aurora até ao despertar em amanhecer silente frio absoluto de um Fevereiro coberto de bruma húmido gelo e denso nevoeiro em placas vítreas sobre o chão gelado e pingos de estalactites nos abraços das árvores nuas.
Lembro-me que escrevi cerca de trinta poemas a um homem só que havia partido no embalo das palavras que teimam em dizer tu és pó e ao pó voltarás e assim ficaram-me as palavras como poeira de versos em pátina de sentidos.
Toda essa escrita se aflorou ao veio do olhar escavado de lágrimas e pétalas tombadas sobre a tumba do tinteiro seco de dor num vazio de tinta impregnado pela perda sofrida como se aos olhos fosse permitido afundar-se em lago de tristeza e na dor incontida transbordasse a poesia em fissuras de sentir.
Foi o começo de parir palavras em húmidos versos pela ausente busca do porquê das palavras em poéticos universos que me deixaste sem eu nunca ter estado em ti. Senti na dor da separação a rebentação do dique dos sentidos e a inundação das lágrimas como poemas transbordados para os campos do pensamento em sentires proibidos que apenas o sentimento leva para o túmulo da solidão na vida que há-de ficar Poesia em firmamento.

anabarbarasantoantonio

A SER UM DIA

recato-me na voragem do teu sentir
anseio-me na fome dos teus abraços
sacio-me  na sede dos teus beijos
abandono-me  sem me permitir
rompo-me de sentidos e de laços
mato-me em vida de desejos
perco-me no rasto dos teus passos
afundo-me  em instantes e ensejos
e vou-me por ai…

se me encontrares onde me estou
ser-me -ás o que já senti
leva-me pela tua mão
tenho olhos e não vejo
tenho e não dou
tenho e não desejo
ser-me o que não sou

ser-me-ei sem o ser
o que o ser me levou
de seres fugazes e perdidos
onde sentida possa transparecer
da mesma medida do que sou
já semeei palavras e sentidos
silenciei sentires e sentimentos
acordei ser o que poder seria
julguei  silêncio e pensamentos
dei-me  em versos de poesia
na voragem de contentamentos
o que a ser possa ser um dia
musa

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