quinta-feira, 15 de março de 2018

CHUVA DOURADA


CHUVA DOURADA
Esta tarde infinita mansa
Horas tão demoradas
O fio do tempo
Pendente dança
Algumas fiadas
De gotas de chuva a escorrer
O dia cinzento
A luz a morrer
Um fio de ouro
Sobre a prata do mar
No vidro frio
Escondo na alma o tesouro
Por entre as lágrimas do olhar
Húmido enevoado sombrio
Um luto de pérolas e melancolia
E a invernal solidão
Chuva e nostalgia
Em envidraçada sedução
...
musa

quarta-feira, 14 de março de 2018

CONFIRMO

CONFIRMO

Este sossego apreensivo
Um quase medo
Interior sentido
Manso terror em convulsão
Esta meiga desilusão
A encurtar o tempo
Sem querer ser lamento
Apenas confissão

Acto íntimo confessável
Como a última peça a representar
Na boca de cena inimaginável
A voz morrendo lentamente
Como se o silêncio pudesse falar
O murmúrio indecifrável
Que o texto parece divagar
Entregue a si mesmo por amor

E não é uma entrega
Este doido fervor
Ou vontade de desistir
É esta insistência cega
Esta ansiedade sofreguidão
Loucura tremor
Sofrimento sentir
Esta intimidade compaixão
Confirmado dolente devasso
Porosa fragilidade
Às vezes vidro às vezes aço
Esta fraqueza desalento
O corpo todo um tormento
Laço desfeito com a eternidade
Sem tempo lugar ou espaço
Chama apagando passo a passo
Súbita urgência de parar
Correr a cortina do palco do olhar
Talvez coragem talvez fracasso
Talvez somente cansaço
...
musa

PAIXÃO

PAIXÃO

Por vezes
Ainda voltam
as tuas mãos
Como pássaros se soltam
Anos dias meses
Lágrimas escorrendo
A chuva molhando a vidraça
Uma saudade moendo
Como lã roída pela traça
E sobre a pele fria do decote
Ainda há quem note
O carinho descendo dos teus dedos
A desenhar nos ombros a ilusão
A desvendar segredos
Em riscos com asas em relevos
A giz a lápis ou a carvão
E num traço húmido anote
O voo cego da paixão
...
musa

DOS VENTOS AINDA

DOS VENTOS AINDA

Destas árvores agitadas
A esbracejar a ira
Folha a folha bramir delira
A melodia do vento lira
Esvoaçam leves arrancadas

Nos parques jardins recantos
As árvores do tronco aos ramos podadas
Carpideiras querubins aos prantos
Num desassossego agitação
De braço forte com a ventania
De aço porte a litania
O vendaval furacão
Ainda que o vento as sacuda
Não há quem lhes acuda
As segure pela mão
Ainda quase despidas
A tenra folhagem renascida
Rasga-se em desilusão
Folha a folha assim feridas
As árvores frágeis sentidas
São o retrato da vida
Quando o vento é solidão
...
musa

domingo, 11 de março de 2018

ABNEGADA LOUCURA

ABNEGADA LOUCURA

Esguia a loucura vulto
Uma sombra que foge do olhar
As mãos suadas a palpitar
Corta a sombra um esgar
Do silêncio o indulto
Louca a luz

Tão fugazes
Odor a violetas mimosas lilases
Um perfume seduz
Formas objectos danças secretas
Parecem esvoaçar borboletas
Espectros a pairar
Enlouquecido o olhar
Distraído com as meninas indiscretas
Num movimento circular
Algo ali

Ainda outro dia as senti
Pétalas como uma chuva perfumada
Parecia o vento a soprar
Uma porta a abrir
Do canto do olhar
A loucura abnegada
Tempo de partir
Não resta nada
musa

FLORBELA ESPANCA

FLORBELA ESPANCA

Na intimidade da manhã ainda surpresa
Janela da alma que em sentir flor abria
Odor inebriante da dor despertada sentia
Como se a escura madrugada fosse acesa

Aurora de violentos fogos em matizes
Uma frialdade de espanto em explosão
E nos olhos adormecidos tempos infelizes
Acordasse para o mundo a alma do coração

Tão arroxeadas as veias como violetas
As mãos a face e todo corpo tão dorido
Parece vestido por um manto de borboletas

Perfumado e assim ungido e tão floral
Um verso de tantas palavras com sentido
Não sabendo mais se é flor espírito ou carnal
...
musa


https://youtu.be/yd9qSIYGBGc

sábado, 3 de março de 2018

SOMBRIO INTERIOR


Perdeu o gozo da vida
A vontade de viver
Fechou a porta
Para morrer

Retirou as cortinas
Abreviou a despedida
E sem muito bem entender
A súbita desilusão da aorta
Sem nada dizer ou querer
Pois nada mais importa

Do cimo da alma fez saber
Do sombrio interior
Do sonho abandonado
Do pranto e da dor
Do silêncio calado

Confessou que haveria pó
Sobre os ossos e o olhar
Por cima de tudo a ser deixado
Quando velha e só
Já nada dissesse
Mais ninguém a visse chorar
E a casa já esquecida
Numa berma da vida
Alguém a pudesse
Encontrar
...
musa

QUE NOS TIREM TUDO

"Que nos tirem tudo
mas nunca a poesia"

O mar bravio agitado
No excesso das metáforas
Agredido
Da ausência do sossego
Algo aturdido magoado
No paredão ruidoso e bravo
Parece um cão raivoso ferido
A espumar o medo
Despojado de tudo

Vejo-o e quase o sinto
Assim furioso e faminto
Entre soslaio desejo
E o barulhento instinto
A lamber as feridas
Por entre as rochas nuas
De saudades despidas
De ventos e de luas
E as estrelas que a bruma encobre
E o vaivém da água
Pranto que sobre
A palavra só uma
Tudo além da poesia
A húmida mágoa
Pó espuma
Não mais do que nostalgia
O verso nobre

Tudo para te dizer
Meu amor
À água flor
Sim

Ainda há o desejo
Com a poesia o escrever
Tudo mais é o fim
Se te não vejo
Até morrer


Tudo mais que resta
Este mar furibundo
Mar e terra
E tudo mais não presta
Que da areia seresta
O grito profundo
Encerra

Dos teus lábios
O beijo
Um fio de desejo
Pálido sentir

E toda esta agitação
Tanto ruído de vagas
Parecem ondas a ruir
Da tua boca a excitação
Das mãos aonde
Ainda guardas
Solidão

No peito do olhar
Mais terra do que mar
Onde afunde
Desilusão


Gritos e segredos
E este murmurar
Vagido silêncio
Tanto mar

Estendal de angústia
Profundidade de medos
As pedras lavradas
Um sem fim de sobressaltos
Águas revoltadas
Areias a escorrer entre os dedos
E dos precipícios mais altos
A espiritual litania
A bruma melancolia
Murmúrios segredos
As pedras tão molhadas
As lágrimas por esconder
Todo corpo a estremecer
E a noite um trovão
Um verso de poesia
O ritual escrever
Fantasia
Oração

O dia apressado nascer
A madrugada esfria
Gélida e vã
Prece
De sentidos
Se tece

Geme o mar a manhã
De luz translúcida tecida
Lá longe te conheci
Nos teus abraços amanhecida
Meus olhos fechados perdidos
De beijos na sede bebida
Raivas gritos feridos
Gota lágrima pranto
Dilúvio desencanto
Agitado viver
Da vida
Ainda senti
Perder
...
musa

"Que nos tirem tudo
mas nunca a poesia"