terça-feira, 1 de junho de 2021

A TOALHA

 

A TOALHA

Vivemos no ano de 2021, quase vividos dois anos de Pandemia causada por um vírus que deixa marca na história do mundo inteiro.

“Covid-19. Mais de 3,5 milhões de mortes e mais de 169 milhões de infetados no mundo.”

Os anos difíceis da 2ª Guerra Mundial e o pós-guerra foram de muitos sacrifícios para os portugueses. Em Trás os Montes trocava-se centeio por sal, e o trigo separado do joio mal dava para matar a fome aos abastados senhores das terras.

Os campos agrícolas clamavam por mão de obra de jornaleiros que corriam atrás de um prato de comida. Eram bem-vindos os braços populares para colmatar vazios deixados pelas vidas ceifadas na guerra. O pão das searas gritava pela mó dos moinhos abandonados à mercê temperamental dos rios e ribeiros campestres.

Por esses tempos chegou à aldeia um forasteiro pedindo trabalho. Foi indagando pelas tabernas, deambulando pelas ruas, de taleigo ao ombro, mirrado o saco às costas, os parcos haveres pouco lhe pesavam mas a fome era negra e essa sim, pesava-lhe na alma atirando-lhe o corpo para a berma do passeio, sentado quase derreado para a frente, as mãos a segurar a cabeça e o desespero de nada conseguir arranjar.

Foi assim que a Ti Maria o viu da janela, observando-o e escutando-o com o seu sexto sentido.

Foi dizendo à filha e à neta, que o homem estava cheio de fome, que o fossem chamar para comer alguma cousa, pois uma malga de caldo não se nega a ninguém.

Dali a nada, o homem abria o taleigo na sua frente tirando uma toalha de mesa, oferecendo-a para pagar tudo o que tinha comido e bebido, agradecendo a oferta de trabalho no campo e o acolhimento.

Um dia deixou a aldeia com alguns contos de réis no bolso, e também a toalha de mesa como agradecimento.

São de granito as memórias que enraízam de palavras, esteios de pedra em chão de alma, fios de algodão como gavinhas de sarmentosas lembranças. E não são de ira as vinhas do passado nem de tristeza ou desencanto, ou mágoas que avinagrem o vinho saudando a vida.

 Guardamos a memória desse desconhecido no baú dos afetos.

Tudo está escrito esperando apenas a vindima da imaginação em fértil chão de saudade.

“Conto

“Em todas as almas, como em todas as casas, além da fachada, há um interior escondido.”

Raul Brandão

“Nós somos casas muito grandes, muito compridas. É como se morássemos apenas num quarto ou dois. Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas.”

António Lobo Antunes

“A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão.

Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:

- Entre quem é! Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.”

Miguel Torga

A TOALHA

D. Chama apressou-se a abrir a porta à sua neta que vinha carregada de embrulhos, sacos, pacotes e caixas, e com as mãos totalmente ocupadas empurrava tudo à sua frente, deixando cair aos pés da sua avó uma das caixas, que se abriu de imediato, derramando no chão em madeira de castanho, brilhante e encerado, uma linda toalha branca de algodão bordada a ponto de cruz e crivo.

- Ai minha filha que trazes tanto peso nos braços! Porque não chamavas alguém para te ajudar. Valha-me Deus tanta coisa... mas o que é isto?! Não posso crer... não é verdade… ai meu Deus...

Aconteceu de imediato, como que um relâmpago do passado, um raio de trovoada a cair de surpresa no soalho antigo da velha hospedaria, o deslumbrar de algo que permanecera esquecido na mágoa e no desgosto, tragédia antiga em segredo de família nunca revelado, sempre evitando ocasiões de questionamento sobre as raízes e heranças agarradas a uma mansidão melancólica.

A hospedaria era uma casa típica transmontana, toda construída em pedra. Há séculos atrás a construção da casa transmontana era formada por um só compartimento. Mais recentemente alongou-se, dividindo-se por dois pisos, com entrada com “escaleiras”, alpendrada, cuja construção é de xisto, com varanda recolhida, situada a meio da fachada, o granito de inverno protege-a do frio, e de verão conserva-a fresca e isola-a do calor. As diferentes classes sociais também influenciaram a construção das casas. Os senhores com mais possibilidades económicas habitam em casas grandes construídas com granito. É a casa serrana das classes mais baixas, construída de xisto ou granito, com escadas salientes e telhados de duas águas, sendo modestas e um pouco menores. No rés-do-chão encontram-se as arrecadações e a casa dos animais que serve para aquecimento do piso superior. O primeiro andar destinava-se à habitação familiar. Esta casa encontra-se situada nas zonas montanhosas e vales.

D. Chama tentava amparar-se de costas sobre a velha arca de madeira que se encontrava no hall de entrada da hospedaria, e que na sua anterior vida permanecera na cozinha, a velha arca de castanho, a um canto, onde se guardava a carne de porco cozida, o pão centeio da mesa, e às vezes servia de mesa, para as refeições familiares.

Deixando-se desfalecer, com a toalha branca de algodão nas mãos, agarrava-a firmemente junto ao peito e com a cabeça meneando para os lados, com os seus olhos fechados, gemia o desassossego que aquela obra prima de fios ricamente trabalhados em crivo, um lustro entrelaçados de sonhos, preocupações, necessidades, tristezas, alegrias, orações, um prazer desfiado em preces de luz e transparências, o tecido transformado em arte filigranada, um labirinto de pontos e aberturas numa espécie de grade aberta no pano desenhando arabescos, bordado utilizado em quase todas as peças do enxoval, acumulado ao longo dos anos, na forma de fronhas, lençóis, colchas, toalhas e roupas íntimas, bem como a toalha que seria colocada no altar no dia do casamento, inclusive as almofadas onde os noivos se ajoelhariam durante a solenidade religiosa do matrimónio, murmurava o que parecia ser uma oração, gemendo com os olhos rasos de lágrimas, sibilava palavras que lhe acutilavam os sentidos, fervorosamente despertos para as recordações do seu passado, cheirava, aspirava, respirava o pano, embebia-se de lembranças.”

(Excerto do início do conto A TOALHA)anabernardo 

sexta-feira, 28 de maio de 2021

AGRADECIMENTO PELO PRÉMIO LITERÁRIO NUNO NOZELOS

 

AGRADECIMENTO pelo Prémio Literário do Conto Nuno Nozelos.

 

Como nos diz o escritor poeta argentino Jorge Luís Borges “O livro é uma extensão da memória e da imaginação.“

Aprendi com as gentes da minha terra a guardar das palavras falantes, memória de sentidos e sentimentos em palavras escritas. 

A vida que tive na casa da aldeia transmontana é um cordão umbilical nunca cortado, e as águas rebentadas do parto, continuam a escorrer pelo gosto da escrita, molham páginas de afetos de imaginação transbordantes, às vezes em jeito de diário, outras vezes silêncios confessados em poesia, escrever, assumo, tem sido o meu jeito de conversar com o passado tentando ouvir o presente para que no futuro, sobre tempo de lembrar quando esquecer teimar em quebrar o fio da vida.

 

O livro é a casa onde habitam as palavras, as coisas herdadas de um interior alma, do qual o silêncio é o testamenteiro.

 

Este conto “A TOALHA”, baseado em factos reais, inspirado na história da toalha que guardo comigo, como lembrança da casa das avós, feita de fios que ligam passado, presente e futuro, é a teima de que a vida tem sempre um fio de Ariadne que contra tudo e contra todos, salva pelo amor a circunstância, ou circunstâncias de equívocos, de relações sentimentais, destinos quais Minotauros, como sacrifícios em labirintos reais, tramas e dramas familiares onde o amor é o eterno vencedor.

 

A personagem “D. Chama” representa a mulher que vive um grande amor, independentemente do destino, firme no propósito do seu coração, acreditando que a vida se encarrega de colocar tudo no seu devido lugar, e que a lei do retorno não falha, porque há um juiz chamado tempo.

O seu carácter é a transfiguração do homem escritor, atento ao seu redor, atento ao outro, e representa um pouco todas as mulheres que me rodearam na minha infância e juventude, e de muitas delas já escrevi em textos para Colectâneas.

 

Dedico este prémio à Academia de Letras de Trás os Montes, que muito me honra fazer parte desta família literária, onde escrevo com o pseudónimo de Ana Bárbara de Santo António, e com quem muito tenho aprendido, e estou certa de que ainda tenho muito a aprender.

 

Aproveito para saudar a Direção que este sábado foi reeleita e desejar-lhes sucesso na pretensão de divulgar o património intelectual transmontano com a qualidade excepcional de que são zeladores.

 

Sou só uma romeira na escrita, peregrina de palavras nesta batalha de sentidos em busca de caminhos para os meus pensamentos.

A Academia de Letras de Trás os Montes tem me oferecido esses caminhos, e ao proporcionar-me páginas de escrita, vai dando colo aos meus afetos guardados na gaveta, de raízes transmontanas, de que me orgulho e tento dar o melhor testemunho das vivências da infância e juventude, sendo o alimento que nutre os textos que falam de gentes e lugares por terras de Trás os Montes.

 

Foi nesta cidade que aprendi a ler e a escrever, alimentei o gosto pelas palavras e pela leitura, frequentei a Escola Primária da Praça, a Escola Primária da Central e a Escola Primária do Bairro Operário, o Ciclo Luciano Cordeiro e a Escola Secundária.

Fui leitora assídua da Biblioteca Municipal.

A todos os meus professores, digo Muito Obrigada de Coração. Este prémio é a minha gratidão por tudo o que me ensinaram.

 

Escrever tem sido na minha vida quase como uma terapia, deixo-me levar pelo sabor da pena, não trabalho com objectivos claros,  guio-me pela inspiração, não tenho hábitos de escrita diária, não planeio temas de escrita, esqueço-me muitas vezes o que aprendi nos quinze anos de estudante.

Confesso que a prosa me intimida bastante, sinto-me mais à vontade escrevendo poesia, na prosa sou muito indisciplinada, rebelde, esqueço as boas regras de uma literatura imaculada, e dou muito trabalho a quem muitas vezes tem a paciência de me corrigir.

Quero sempre aprender mais e tentar construir o meu próprio caminho viajando com leituras que me fascinam e encantam. A leitura será sempre o meu mundo mágico.

 

Agora os AGRADECIMENTOS: que passo a nomear,

 

À Câmara Municipal de Mirandela, Exma. Sra. Presidente Dra. Júlia Rodrigues, Muito Obrigada por ter acarinhado este prémio, generosa vontade do ilustre escritor Nuno Nozelos, 

Exma. Sra Vereadora da Cultura Dra. Vera Preto, 

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Municipal, Sr. Luis Guimarães,

 

Exmo. Sr. Presidente da Junta de Torre de D. Chama, Sr. Nuno Nogueira, 

Exma. Sra. Presidente da Assembleia da Junta de Freguesia, Sra. Fernanda Reimão Correia

 

Ao Ilustríssimo Júri deste concurso literário, A TODOS MUITO OBRIGADA.

 

Sendo uma obra imperfeita, peço que perdoem as falhas que terá, tentarei da melhor forma cumprir e honrar o propósito desta distinção, contando com as ajudas adequadas. 

 

Aproveito para agradecer o apoio da minha editora a Avelina Ferraz do Grupo Editorial Novembro, foi com ela que publiquei o meu primeiro livro de poesia em 2006. E com quem estou até hoje.

 

Aos meus pais, família, amigos,  a todos os que partilham comigo esta paixão pela escrita. Obrigada por me apoiarem, por estarem ao meu lado.

 

Ao ilustre escritor Nuno Nozelos, hoje representado pela sua digníssima esposa Sra. D. Celeste Nozelos, agradeço de coração cheio, a oportunidade deste prémio. Conheci-o pessoalmente aquando da homenagem que a terra de adoção merecidamente lhe prestou, a convite do então  Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Torre de D. Chama.

 Li alguns dos livros que publicou, admiro a sua obra, e do homem escritor, guardo memória do ser altruísta, gentil, prestável, de quem os homens falam e louvam pelo ser humano que foi de afável trato, sempre disponível para ajudar o próximo, fiel guardador de costumes e tradições, donde retirava a inspiração para transformar sentidos em palavras.

Recebo este prémio com a satisfação de ter nascido em Torre de D. Chama, com a gente da minha terra o partilho, fazendo questão sempre que algum desafio de escrita se impôe, tratar de olhar no baú do passado e remexer o enxoval dos afetos em busca de inspiração, contando das minhas gentes, as estórias ao meu redor, as conversas de escano, com as avós, e muito honrada me sinto em inaugurar este prémio literário com o seu nome e faço votos de que assim seja que cada um de nós se sinta motivado e inspirado em seguir o exemplo de vida do escritor.

 

Do homem poeta gosto muito deste poema: que certamente ele escreveu para o seu grande amor,  e lhe dedico a si minha senhora esta leitura.

 

   

Do livro “A Musa Preterida” de 2001

 

No princípio era a Terra,

A Terra, tela vazia.

E Deus teimou convertê-la

em bela policromia.

 

E, tomando a paleta e os pincéis, 

brotou do génio insigne do pintor

quadro de magia,

que melhor se traduzia

em sinfonia da cor.

 

Mas, perante a assombrosa maravilha, 

o magno Artista Divino

deixou trair uma expressão inquieta.

Algo faltava à tela, que supriu:

deu-lhe então um tom do nú-róseo feminino

e então sorriu.

A obra era completa.

Nuno Nozelos

 

Muito agradecida a todos pela presença. Bem hajam.

 

Ana Bárbara de Santo António 

 

 25 de Maio de 2021, 

Paços do Concelho da 

Câmara Municipal de Mirandela















https://www.diariodetrasosmontes.com/cronica/ana-da-conceicao-bernardo-premio-literario-do-conto-de-nuno-nozelos?fbclid=IwAR0-gQ2-bQ4t05NLyH2m8b2dqpcc8TWcobuFN5C-3O3jqpGRuTyF0bSt_Qk

https://www.canaln.tv/video-premio-literario-nuno-nozelos-atribuido-no-feriado-municipal-de-mirandela/?fbclid=IwAR2EN2KvU0pv5t5kn3HUGQZiUqD9qEe90VmZUwUlI0IjAMCEgBe5PE4ZQwY



https://youtu.be/XlegCNV7cbk

I PRÉMIO LITERÁRIO DO CONTO NUNO NOZELOS

 

Nota bio/bibliográfica

Ana Bárbara de Santo António & musa, pseudónimos literários de Ana da Conceição Bernardo, nasceu em Torre de D. Chama / Mirandela / Trás-os-Montes, em 1965.

Estudou na cidade de Mirandela e em Bragança. Curso Superior de Turismo, ISAI, Porto.

 Residência no concelho de Vila Nova de Gaia.

Bibliografia:

2006 "Penas da alma para a mão", poesia, Papiro Editora

2008 "Teu Cancro Meu" testemunho, Papiro Editora

"Russa a burrinha tecedeira", livro infanto-juvenil, Papiro Editora

2012  “À Flor da Pele dos Sentidos da Alma”, poesia, Pastelaria Studios Editora

2019 – “Mariana o menino rochedo e a gaivota mágica”, livro infanto-juvenil Editorial Novembro

2021 - "O Facanito" livro infanto-juvenil (a publicar brevemente) Editorial Novembro 

Participou em várias antologias e coletâneas de prosa e poesia e em programas de Radio. Participou e foi destaque em Feiras do Livro e Festivais Literários.

Prémio Papiro Editora biénio 2006/07 com o livro de poesia “penas da alma para a mão”

I Prémio Literário Sapere Editora 2012 (Brasil) prémio de autora

I Prémio Literário do Conto Nuno Nozelos 2021

Publica em dois blogues, e nas redes sociais.


domingo, 29 de setembro de 2019

INFUSÃO DELÍRIO


De um azul vermelho
Cor de lírio
Sobre a mesa o bule já velho
A fumegar infusão delírio

Tem o calor das mãos da avó
Guarda lembrança do entardecer
Esquecido na penumbra ao pó
O amor da infância por beber

No serviço de chá pintadas violetas
Memórias de ternura e ilusão
Escondidas doçuras secretas

Na mesa a surpresa do pão de ló
A gravura das violetas de infusão
E o azul dos olhos doces da avó
...
musa

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

DOCE EMBALO

DOCE EMBALO ( um mês do Khalil)

Soninho profundo
Quase um mês de vida
Faz um ninho o mundo
A bela adormecida
Duendes e o cavaleiro
Príncipes e princesas
A fada esquecida
Ao largo o veleiro
Em águas escocesas
Traz a prometida
Abre os olhos um segundo
Eleva as mãos presas
Da ancora bem fundo
Sonhos anjos a sorrir
No céu estrelas a florir
Com muitas surpresas
Assim adormece
A tal teia tece
Soninho em flor
De seda e amor
Ternura doce embalo
Até ao cantar do galo
...
musa

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O MEU MENINO DORME

O MEU MENINO DORME

Ouve-se o silêncio murmurante
Qual ribeirinho sorridente 
Embalo da água cantante
Traz um soninho dolente

O meu menino dorme  quieto
Sonha embalo de abraço
Colo meigo e secreto
Talvez de Deus o regaço

Dorme sereno sono profundo
Tão pequenino que graça
Molhado olhar que disfarça
Emotivo milagre do mundo

A dormir tão sossegado
Que consolo perfeita a vida
Se eu pedir leva-lhe o recado
Pelo seu sossego sou agradecida

Que o soninho bom de cuidar
De tão doce e meigo querer 
Solta-se o ribeirinho do olhar
Nas margens da alma o ser
...
musa

sábado, 24 de agosto de 2019

KHALIL

Khalil

Cacauzinho
No aconchego do materno ventre
Vai nascer menino
Em terras de Vera Cruz
Chão de amor maior semente
Assim quis o destino
Ao dar-te à luz

Que a sombra do profeta
Te proteja e ampare
Augure a vida longa e feliz
E as águas agres e doces separe
Cacauzinho petiz

Nome de poeta
Khalil amigo estimado
Doçura secreta
Bebé amado
...
musa

AO FILHO QUE NASCE LONGE


AO FILHO QUE NASCE LONGE

Conhecer um filho que nasce longe
Das lonjuras entre um oceano
Juntei o embondeiro e o castanheiro
O feiticeiro e o monge
O tambor e o piano


Entre savanas e montanhas
O montanhês e o africano
E as luas mais estranhas
Que te viram nascer
Em Agosto deste ano

E as estrelas a florescer

Podem os rios e os desertos
Memórias de outras gerações
Por esses caminhos incertos
Fazerem bater tanto nossos corações


Contigo vão aprender
Danças e cantares
Sonhos e ilusões

Em tudo o que amares
E um dia vão saber
No terreiro da ternura
Que Obaluaê ou o Deus
A rasgar nuvens dos céus
Traz uma chuva de doçura
Entre os teus e os olhos meus


A esse filho do longe e do perto
Aqui tão profundo e tão secreto
É já todo o meu mundo de sentir
E a imensidão de ser homem e de existir


A esse filho nascido além
Do negro sangue e brancura saudade
Tem os olhos doces de sua mãe
E na palma das mãos a eternidade
Que amor de pai conhece e mais ninguém
...
musa

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

CANÇÃO DE NINAR ( ao Khalil) 💕


Canção de ninar ( 10 dias do Khalil) 

O meu reino por um sonho
Teu sonho por um reinado
No teu berço te deponho
Meu menino bem fadado

Quero contar-te uma história
Já não sei se era assim
Se não me falha a memória
A linda história não tem fim

Dorme dorme rapazinho
No teu sono de encantar
Fecha os olhos meu menino
Pois são horas de ninar

E neste sono profundo
Numa viagem de sossego
Vou contar-te de outro mundo
Onde nada te faz medo

No teu berço de cetim
Reino de serenidade
Nos lençóis desse jardim
Brilha o rosto a felicidade

De olhinhos bem fechados
O soninho num abraço
Batem à porta doces magos
Com um potinho de melaço

E que embalo tão feliz
Que alegria ver-te sorrir
Dorme dorme meu petiz
Que os ursinhos vão partir

Para um reino de brincadeira
Pelos montes do quintal
Entre as flores da laranjeira
Há uma fada especial

Traz um sono descansado
No planalto da montanha
Vai o urso apressado
Para apanha da castanha

A correr pela floresta
Entre as flores do castanheiro
Faz a natureza a festa
No teu soninho de jardineiro

Doces sonhos com borboletas
Num jardim de lindas cores
As margaridas e as violetas
Num ramalhete de belas flores

Ofereces á mamã
Das mãozinhas tão pequenas
Brilha o raio da manhã
Em madrugadas tão serenas

E no teu soninho a velar
Te fade bem amor maior
És a luz do seu olhar
Pequeno grande e terno amor

A brincar o urso e o coelho
Na clareira perto da fonte
Pergunta a fada ao espelho
Atravesso a nado ou passo pela ponte

Saltam veados lobos e raposas
Pelos vales escondidos em prados sadios
Nas margens crescem lírios juncos e rosas
Regatos ribeirinhos chegam aos rios

Cascatas nas fragas de água a escorrer
Ouvem-se passarinhos em ternurenta melodia
As árvores estendem seus braços ao entardecer
É a noite que chega mansa ao final do dia

E o teu sono num embalo tranquilo
Pelos montes e vales encantados
Rouba as castanhas traquinas o esquilo
Que correria dos ursos pelos prados

Há uma abelha no teu ouvido a zumbir 
A embalar o teu sono de guerreiro
Coceguinhas na boquinha melada a sorrir
Mel de rosmaninho e grãos para o celeiro

Dorme dorme meu menino
Nesta história por terminar
No regaço com carinho
Vela o urso a ninar
...
musa