terça-feira, 28 de março de 2017

VIOLETAS


VIOLETAS

Tenho-lhes paixão e sinto-me enfeitiçada por elas. Alimento-as a chá, sacudo os saquinhos usados, do chá seco na terra, revolvo, rego-as e repito a cena a cada semana, o chá de todas as qualidades, elas aprovam e provam sabores de anti-oxidantes, calmantes e mineralizantes, fortificando e adubando naturalmente.
São a minha inspiração e das flores mais belas com que graciosamente a natureza borda lugares escondidos, às vezes por debaixo da folhagem caída no chão de uma clareira, ou margens de regatos e ribeiros em beleza espelhada ou pequenos lagos, ao sol e sombra, húmidos recantos como caixinhas de segredos de uma flor fechada.
No palco da vida como marionetas de um silêncio puro na inquietude da brisa, em tons de lilás às vezes azuis, frio desassossego em matizes de melancolia, pontilhando a solidão primaveril como que a adivinhar um renascimento de sentires de outrora que somente a memória despe de filigrana florida desse arroxeado encanto que esmaece a saudade de um odor perdido em vales da pré-história, talvez fragmentos de um passado por desenterrar.
Violetas com que a eternidade teima em fazer florir de sentidos a vida.
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musa

domingo, 26 de março de 2017

LITANIA DO ESQUECIMENTO

LITANIA DO ESQUECIMENTO

Fecho os olhos e esqueço
Deixei de regar as violetas
Secam as minúsculas pétalas
Caídas no chão ressequido
As veias estalam um vagido
Na boca o pão recesso
Intragáveis palavras secretas
O teu nome esquecido
Esvoaçam as borboletas
E as lágrimas do olhar
Entre o espiritual esquecimento
Vibra a dor a paixão
Um capítulo a mais da vida
De tão esquecida no tempo
As contas da compadecida litania
De um rosário por inventar
O silêncio da oração
A prece melancolia
Pranto ilusão
Por rezar
musa 

QUANDO UM DIA EU FECHAR OS OLHOS

QUANDO UM DIA EU FECHAR OS OLHOS

O mar ainda azul em profundidade
De tão salgadas as lágrimas a escorrer
Ao longe o horizonte em serenidade
O sol em mansa pressa de se esconder

A desmaiar de fogo como se um beijo
De loucura em vagas se cansa o silêncio prazer
A ondular-lhe o corpo de ternura desejo
O azul avermelhado do instante entardecer

Quando um dia eu fechar os olhos do corpo cansado
E fundear no pranto mar da invisível eternidade
Nau errante rumo do olhar triste magoado

Naufrágio de sonhos ao fundo inventado do sentir
Talvez o mapa perdido da saudade
Em desorientado caminho por descobrir
...
musa

ANULAÇÃO

ANULAÇÃO

Coisa alguma nenhures ou nulidade
Que o jeito será melhor até esquecer
E que seja rápido com a maior brevidade
Porque se faz tarde e já apetece morrer

Como sempre acontece este querer doido profundo
Das entranhas corroídas pela insana apetência
Alucinações varridas do ser neste mundo
O joker vencido da alma humana na sua demência

Quando a triste sorte não é mais do que vil solidão
Amarras de um desespero a soluçar no peito
E pede do mesmo jeito lágrima do olhar em anulação

Esgrima a morte a dança metálica da eternidade
O sonho perdido de esperança desfeito
Anulada a vida a golpes duros de saudade
...
musa

NAUFRÁGIO

NAUFRÁGIO

As saudades ao abandono casca de noz
Naufragos de beijos da pele do cio
No embate violento do silêncio sem voz
Afundadas no tempo na distância no vazio

Como se houvera as tuas mãos na profundidade
Das vagas frias no embalo de um abraço
No temporal naufragado da ternura saudade
E deixar-se fundear como âncora do cansaço

Teus olhos escuridão murmúrios farol acendido
A tarde em que naufraguei na carnal intimidade
Do mar desassossego em ruínas na fúria do sentido

No sal das lágrimas rompi o casco da vida
À deriva da solidão a triste cumplicidade
Que o amor no fundo é só uma despedida
...
musa

CÓPULA

CÓPULA

Tão somente
Fundir-se
Corpo e mente
E o instinto afecto
O sentir secreto
Dividir-se
A matemática da fruição
Soma da excitação
Algo em subtração
Vir-se
Homo erecto
Adição
Em sono profundo
Sentir-se
Átomo do mundo
Tesão
Somar
Subtrair
Multiplicar
Dividir
Tão só copular
Para existir
...
musa

terça-feira, 21 de março de 2017

AMOR SEM POESIA OU OUTRA PRIMAVERA

AMOR SEM POESIA OU OUTRA PRIMAVERA

Do cansaço o cálice secura meigo rubor
Que poema lhe resta no fundo amargura
Talvez a maior loucura da vida o amor
Quando acontece de lágrimas a tortura

Que entristece melancólica poesia sentir
Dos abraços negados em silêncio solidão
Carregam mágoas consentidas de existir
Infinita a dor que teima ser a inspiração

Amor sem poesia ou outra primavera verso
Das palavras que ficam um dia por dizer
Cânticos de intimidade profunda ao universo

Ou a primaveril ilusão de toda a eternidade
Que poéticos sentidos possam escrever
E eterna fique para sempre a saudade
musa

quarta-feira, 15 de março de 2017

AMBOS

AMBOS

Anoitecemos ambos
Ungidos de sombras cruas
Formas de luz
A alvura do pano seda
A vestir as mãos nuas
Luminosidade que seduz
Fogo labareda
A incendiar
A noite

A cama o fim da noite
Súplica estendida
Dobras a cintilar
Esmaecida
A brilhar
Cetim

Noite algodão
Engelhada ternura
Carmesim loucura
Carnal em mim
Noctívaga ensombração
No leito candura
Escuridão
Sem fim
musa 

DO TEU SILÊNCIO AINDA

DO TEU SILÊNCIO AINDA

Espesso
Se fosse pó poeirento
A forma em gesso
Maleável
Do vento
Como se fosse poeira
A curvatura invisível
Avesso
Do desalento
Insensível
Sentir

A miserável canseira
Dos ímpios sentidos
Em silenciado existir
Sem que se queira
Desistir dos dias enternecidos
De silente sofrer
O dolente querer
Dos instantes perdidos
A abrir fendas no pensamento
Para verter
Silêncio apenas

Do teu silêncio ainda
Insistente sofrimento
Que causa tanta dor
O irremediável descontentamento
Grito profundo
Alma sem cor
Dos olhos tristeza sem fundo
O imperdível mundo
Do desamor
musa 

BOM DIA TRISTEZA

BOM DIA TRISTEZA

Infinita na sua bondade como o firmamento
Desconhecida ténue para além da escuridão
Deslumbra na saudade todo descontentamento
Mais do que a cintilante tortura da desilusão

Engrossa as veias em doce afrontamento
E o coração a palpitar invisível desgosto
Todo o corpo impotente nesse sentimento
Toma-lhe as rédeas e saboreia-lhe o gosto

Acontece ao despertar sangra o entristecer
Um gemido interior quase grito uterino
Como um sol a rasgar o céu ao amanhecer

Deslumbrado na infinitude das graças matutinas
Bom dia tristeza a marcar eterno o destino
Uma luz singela a raiar pálidas cortinas
musa

segunda-feira, 13 de março de 2017

SILÊNCIO SOLIDÃO SOFREGUIDÃO

SILÊNCIO SOLIDÃO SOFREGUIDÃO

No prego a paz interior
No olhar vidros partidos
No corpo a maior dor
Os braços descaídos
Fendas abertas nas paredes bafientas
Tantos sonhos perdidos
Tantos desgostos vencidos
Tantos instantes esquecidos
E as saudades que inventas
De abraços estendidos
Mas sempre estás só
Sozinho ou sozinha
Dos umbrais dos sentidos
A solidão caminha
No meio do nada
Sombrio o pó
Marca como a lama
Sangra o sentir
Dorida a ferros marcada
Um grito silêncio a ferir
E a ingratidão derrama
Na sofreguidão existir
...
musa

domingo, 12 de março de 2017

VENTANIA EM SILÊNCIO DOMINGUEIRO

VENTANIA EM SILÊNCIO DOMINGUEIRO

Sossego e sintonia
Só o silêncio por companhia
Nas sombras do dia domingueiro
Um ruído ventoso primaveril
Na plácida melancolia
De Março a deixar Abril
Entrar ruidoso e quente
A ameaçar chover
A escura latitude
Quase a pente
Ao vale a descer
A mansa inquietude
Do vendaval
A estremecer
Rios de ventos
Silenciosos

É só um domingo de outros tempos
Das cinzas que é preciso espalhar
Pelos olhos tristes e chorosos
Silentes pensamentos
Da alma a soluçar

No silêncio sentido nostalgia
Uiva a Primavera no meu peito
Um grito que apetece calar
Um risco incompleto imperfeito
Um verso húmido poesia
Em silenciado altar
musa 

sábado, 11 de março de 2017

AO PALADAR

AO PALADAR

Meu amor pela cozinha inventada
Quando às vezes trago o mundo
Para dentro das panelas
E de uma inspiração inesperada
Abro de dentro de mim janelas
Um sentir inebriante e profundo
Uma alma calada
Porque ao cozinhar o silêncio reinventado
De cheiros e sabores
Às vezes de lágrimas temperado
De cores e de odores
Fluídos e sentidos
Matizes de paisagens
Felizes viagens
Na minha cozinha
Trago à memória lembranças
Doces saudades
Uma intimidade tão minha
Rituais feitiços e danças
Ternas cumplicidades
Picantes ou o gozo sal
Cânticos e preces do olhar
Espiritual ou carnal
O tímido paladar
De quem sabe viver
E nunca quer esquecer
Que pela boca se sabe amar
O melhor tempero da vida
Odor que tempera o coração
Uma fome jamais esquecida
Com gosto a imaginação
musa 

quarta-feira, 8 de março de 2017

MULHER

MULHER


Força da natureza
Galho em flor
Intimidade e pureza
Cálido odor
Braços cansados


Nos teus olhos nevados
Rebentam lágrimas como fontes
Nos teus seios floridos montes
Escondidos valados
Ribeiros nascentes
Lagoas afluentes
Dos lábios rosados
Risos poentes
Horizontes
Por florir


No teu corpo entardecer
A força madura
A vida loucura
Carnal sentir
De prazer


E as mãos esculpidas
De veias e sonhos
Como raízes despidas
Nuas florescendo ao vento
Asas sentidas
Do tempo


Um riso ensandecido mansinho
A despontar do ventre
Proeminente
O destino
A contar as luas
As mãos nuas
De luz e seda
Arminho violeta
Chama labareda
A dançar
Secreta
Do olhar
musa

terça-feira, 7 de março de 2017

PALAVRAS E MELANCOLIA

PALAVRAS E MELANCOLIA

Mesmo que as palavras abram fissuras
E escorram delas outros significados
Que hajam brechas rachadelas rupturas
Buracos negros de outros passados
Rombos a verter sinónimos adjectivos
Substantivos verbos em infinitos tempos
Frases conscientes e maduras
A fazer brotar outros pensamentos
Imaginação e loucuras
E outras coisas por inventar
Como medidas de sentidos
E outras fragilidades
Sentires por decifrar
Olhares fendidos
Meras habilidades
Ilusões
Mesmo que as palavras sejam chavões
Só o silêncio pode compor
Silabas em melodia
A mais bela pauta de amor
O grito ensurdecedor
Do eco a transpor
Silenciada melancolia
...
musa

segunda-feira, 6 de março de 2017

POEMA PARA A ISABEL

POEMA PARA A ISABEL

Sentada à mesa diante da Grécia, o pão fresco e a caça
abrindo odores silvestres. Eram as tuas mãos a enxada
de labores e temperos, e os pratos cheios de poesia.
Querias ensinar-nos o canto dos paladares aprendidos
em livros antigos.

Havia nas chávenas debruadas a oiros antepassados, um colírio
de lágrimas tingidas de sonhos, marfinizadas por histórias ardendo
na alma em chamas, por um fogo a oscilar de lembranças,
e os olhos a teimar morrer as saudades.

A mesa o chão e as tuas mãos, e o húmido dia acinzentado,
parecia que os sentidos se deitavam com um entardecer
choroso para além da helénica civilização, e o gozo da boca,
a falante Castália inebriante, nascia das memórias e sabores
temperados de nostalgia. Sagrada a água que nascia,
saciando o sentir dos lábios em melancólica doçura.

E a dança dos líquidos fumegantes, o café, o chá, nas chávenas
de um oiro luminoso, traziam de palavras semeadas frutos
maduros colhidos no teu olhar, onde ainda se vê a mãe,
dos seus olhos a sorrir, pranto e prece,

a porcelana fina das chávenas com fio dourado
é uma oração de poético silêncio.
musa

@ agradecendo um almoço de domingo, em casa da amiga Isabel.