sexta-feira, 29 de abril de 2016

GÁVEA DA SOMBRA


 A sombra triste em segredo
De amar a desoras a solidão
Gávea antiga cesto de seda
Mar escuro de bréu e medo
Rasto de prata doce solidão
A luz candeia fogo labareda
Arde o leme ao punho da mão

Treme o astro cauda do vento
Miriades de vagas solto remo
Mastaréus reais dócil o tempo
Ondas gigantes boca de demo

Tormentosa viagem onde acudir
Sonhos firmamento entardecido
Navega ilusão lamento do sentir
Que se faz tarde ao mar fugir
Rumor do casco trémulo sentido
musa

LUTO LENTO

LUTO LENTO

Esta doce vontade
Insubmissa subversiva
Luto lento da vida
Travo mel do prazer
Que me sabe a liberdade
Tão doce querer
No chão dos olhos plantado
Semente docilidade
O pranto magoado
De morrer a viver
Do sabor que se queria
Não ser amarga lentidão
Leveza dor poesia
Dócil solidão
Nos olhos lento luto fantasia
A névoa negra da escuridão
A tristeza dos sentidos
Lagrimas desfeitas do olhar
A leveza a pulsar
De sonhos ofendidos
Ainda a magoar
O luto do sentir
Sonhos escondidos
Que um dia deixarei voar
Deixarei partir
Em suspiros lívidos
...
musa

quinta-feira, 28 de abril de 2016

ANONIMATO

ANONIMATO

Morrerei a amar te
Morrerei desse sentir
Morrerei de amor
E ninguém saberá
Quem ama a poetisa
Ninguém descobrirá
Morrerei a cantar te
Morrerei a fingir
Morrerei de dor
Tão pouco tu
Paixão que mói e pisa
Faz sofrer existir
Dolente torpor
Anónima solidão
Que dói a ferir
Intima canção
Trágico querer
Angustia de viver
Impossível ilusão
Sorrir a fingir
Vontade de morrer
E tu sem saber
E tu sem querer
No silêncio ausente
A morte consente
A dor ferida
Anónimo prazer
Morrer a viver
No palco da vida
...

musa

CAIS DOS SENTIDOS

CAIS DOS SENTIDOS

Quem vê do cais dos sentidos
Teu amor que não tenho
Escuta e lê os meus gemidos
Do cais da dor onde me detenho
A olhar do cais o tempo
As pedras da amargura
Bate a saudade em sentimento
A agua fria da loucura
Do cais dos olhos pranto
Vagas lagrimas arribação
Quem me vê a chorar tanto
Sabe o sentir desta paixão
Ver me assim tão perdida
De olhar preso ao horizonte
Sabe o desassossego da vida
Ainda que o esconda e não conte
Às pedras do cais da calçada
Do porto mar da tristeza
Pedras duras da boca amarga
Em que emudeço incerteza
Do cais a alma esmaece
Louco e vadio o teu sentido
Anda a ver se acontece
Voltar ao cais o barco perdido
...
musa

MORRER DE AMOR

MORRER DE AMOR

Talvez meu amor
Talvez um dia eu morra
De mão dada com alguém
Talvez eu dê a mão ao amor
Talvez eu saiba de cor
Todos os nomes do seu sentir
E dê a mão aos seus sentidos
E saiba como é existir
Apertada entre dois braços
Como dois abraços estendidos
Para segurar os meus cansaços
Talvez um dia meu amor
Eu morra nessa mão
Na mão de alguém
No sonho e na desilusão
Mas ninguém ha de saber
Por mal ou por bem
Meu amor
Da dor maior
Sem querer
A paixão
Que é amar te também
E viver a morrer
...
musa

UM HOMEM AO SOL

UM HOMEM AO SOL

Um homem caminha só
Por entre o fogo do entardecer
A maresia baila no pó
Há um grito a ensurdecer
A magia da tarde aquecida
Finge a claridade da vida
Talvez haja cidades a amanhecer
Entre o sol e o mar perdida
Corais de esmeraldas acesas nos cruzamentos
Jardins de rubras rosas a fenecer
Nas esquinas parados sois a estremecer
Crepusculares deslumbramentos
No olhar do homem ao sol da escuridão
A clara luz do encantamento
Faz o caminho da solidão
Nas pedras pisadas do pensamento
Ao horizonte desconhecido
Vibra o instante do sentido
Há um pôr do sol no firmamento
E um homem está vivo
...

musa

UM DESERTO

UM DESERTO

A pele do deserto
É seda pura em poros de poeira
É escuridão incendiada ruídos purpura 
e um fogo de loucura secreto
É a claridade prisioneira
Imensidão de ternura em areia
Caravanas camelos estrelas vento 
e o silêncio da noite a lembrar
Mãos que atravessam sentidos
Ondas do pensamento
Memórias de sensuais gemidos
Há- de haver por ai um oásis escondido
O teu olhar perdido
Seguindo um rasto que já perdi
O perfume do teu corpo escondido
Num poema que nunca escrevi
...

musa

DESEJARIA

DESEJARIA
Houvera violetas
Na terra sepultura
Instante desassossego
As cores secretas
Da lívida loucura
Quando da vida tem medo
Desejaria
Aciprestes na sombra do tempo
A mais estranha fantasia
Talvez roxa flor lamento
Florida hora do dia
Lábios de frio e silêncio
Olhar matriz firmamento
Interlúdio de poesia
Colidindo a magia
Do pensamento
Onde ancorar
A claridade
Do sentir
...
musa

(Floriu a primeira violeta do meu jardim)

ABRIL - Ary dos Santos - As Portas que Abril Abriu


ABRIL
Se cravos abrissem
Palavras fechadas incertezas
Palavras florissem
Onde tristezas acorrentadas
Por detrás das grades sorrissem
Mãos de punho fechadas
E a flor vermelha de punho erguida
Mostrasse como quem espelha
Uma centelha que brilha
E o tempo guardado em memória
Lembrança pétala caída
A revolução já tão velha
O rubro instante da história
Em que uma baioneta florida
Foi o grito de vitória
E Abril no meu país
Esperança de uma luta feliz
O sonho liberdade de uma vida
...

musa

quarta-feira, 20 de abril de 2016

AINDA ESTÁS AÍ

AINDA ESTÁS AÍ

Ainda estás aí

“Não ia gostar nada que desistisses...
És a existência de um Sonho...
Belo...
Beijo-te...
Ant”

Surpreendem-me as tardes frias
Súbita frialdade a esbranquiçar os nimbos
Sonhos esmaecendo entardecer
O cru dos céus em cores sombrias
Que a ventania vem arrefecer
E faz tremer olhar os dias
Onde sonhar não chegou acontecer
Ainda estás aí

Insistindo em não desistir
A mesma força nas palavras por escrever
Adivinhando o teu sentir
Na profundidade desse querer
Que o tempo insiste em manter vivo
A existência do sonho sentido
Que amas gostar
Tanta vez

E talvez ainda estejas por aí
Onde outra vez te sintas surpreendido

Quando todas as primaveras voltarem
E eu escreva todas as palavras por ti
E as plantas e os pássaros se amarem
No ninho das horas como leito
E bata em sintonia no meu peito
Badaladas de sonhos e silêncio

E um desassossego infinito
Esse tempo tão bonito
Por estares aí

musa

terça-feira, 19 de abril de 2016

TRÊS VEZES ERREI

TRÊS VEZES ERREI

Atravesso o tempo
Na directriz de inventadas
Identidades
A motriz exacta do pensamento
As várias probabilidades
Atravessadas
Com a bissectriz do movimento
A matriz maior do sentimento
Talvez o que condiz com pensar
Peças desencaixadas
Do sentir
Se alguma vez eu mentir
Perfiz o único erro temperamental
Contrafiz a vida por inteiro
As asas do tempo cortei as
Já que primeiro
As mãos lavei as
E Pilatos assistiu
Nada disse do que sentiu
Sentido estranho
Errar sendo humano
Consente existir
A ubiquidade do engano
Do que possa convir
Dizer a verdade ou omitir
Mas nunca mentir
...
musa

HOMEM SÓ

HOMEM SÓ

Coloco te num pequeno altar
Deidade divina te adormecer
Estar ou ser em profundo olhar
A intimidade desse prazer
Que a criação ousa alcançar
Na força oculta do bem querer
As mãos em divinal prece
Adivinham as palavras ainda por dizer
E todas as ladainhas que sei rezar
Na profundidade do templo a luz esmaece
A sepulcral intimidade acontece
Entre o silencio das pedras a liturgia
Diante de deus a orar
Divina a poesia
Dossel sentir
Odor de incenso essência das velas a arder
Tímida chama em sombras a refulgir
E o eco vagido em submersa escuridão
Penumbra véu de pétalas a fenecer
Um caldo de poeira ainda por atravessar
Vai tão só o homem descalço
Carrega nos ombros a solidão
Tem a morte no seu encalço
Sentença de vida sem perdão
No altar da frágil condição
...

musa

TALVEZ EU SEJA SEM SER

TALVEZ EU SEJA SEM SER

Abdicaria da eternidade
Para te ter
Talvez eu seja sem ser
No silêncio da intimidade
Eu tenha o teu sentir
Algo doce a enternecer
Beirais tristes do olhar
Ramos de árvores a atrair
Pássaros a florescer
Frutos do pomar
E eu seja a terra e a luz
O chão por pisar
A folha a cair
O tempo de viver
Do cálice dos sentidos
A pena de escrever
De azul por tingir
Bicos quebrados feridos
Folhas brancas de ausência
Talvez eu seja a transparência
Da sombra bruma nevoeiro
A negra tinta do tinteiro
Semeada essência
Âmago espiritual
A paciência da alma carnal
No corpo inteiro
...

musa

AGONIZAR DE VIVER

AGONIZAR DE VIVER

Agonizo este silêncio
Inteiro dentro de mim
Perfurando a veia
Densa inquietude
Travessia
Este silêncio sem fim
Rendilhada teia
Brilho espessura
Agonizante
Virtude
Em demasia
A doce loucura
Desafiante
Agonia
Do ser
musa

TEMÍVEL TEMPO

TEMÍVEL TEMPO

Resta a estrada das cidades

Os lugares por onde peregrinei

A lama calcada pelo peso dos ombros

Restam cravos e liberdades

Os lugares onde nunca andei

Resta a casa em escombros

O cortinado vermelho

Gasto e esfarrapado

Um pedaço partido do espelho

Memórias do passado

Resta o umbral da porta aberta

E já por lá passei

Luz misteriosa e secreta

A sombra do lugar onde vivi

Restam os sonhos que abandonei

A loucura que senti

As melodias que dancei

E do que me resta viver

As palavras em movimento

A última dança antes de morrer

Já que se faz tarde no tempo
musa

FERIDA DE SENTIR

FERIDA DE SENTIR

Estou ferida de sentir
Apeteciam-me os lugares
visitados pelo poeta
Como se a estrada das palavras
fosse a viagem peregrina do pensamento
Uma apetência de vontade secreta
A deambular em margens quilometradas de sol chuva e vento
Apetecia-me viajar nos versos cheios de lugares
que eu ainda não conheci
O fogo aceso da vontade
que eu já senti
Apetece a viagem pelo tempo inventado no poema
sem as paragens da sua pontuação
O silêncio da voz serena da solidão
Partir na primeira estrofe sem bilhete de regresso
O sonho insano em profundo desalento confesso
Apanhar a carruagem das sílabas
e estagnar no movimento das paisagens
Alcançar o gozo satisfação em todas as paragens
Chegar onde nunca ousei levar a imaginaçao
A travessia utopia desassossego da ilusão
Atravessar os campos do deslumbramento
Na emotividade e no trilho do contentamento
Sei que há lugares onde a palavra
enmudece os sentidos
Recônditos lugares misteriosos e perdidos
Onde ficam tantos desejos por cumprir
E a única viagem que me apetece fazer
É desistir
De viver
...
musa

quinta-feira, 14 de abril de 2016

TERRA SAGRADA

TERRA SAGRADA

Elísio gozo iodargírio
Minério de prata e ouro
A cor aveludada violeta
A sangrar roxo martírio
Da paixão o tesouro
A porta secreta
Do Santo Graal

O fel abismal do poço escondido
Onde a terra toda se faz coadouro
Em busca da utopia eternidade
Deípara maternidade do sentido
Berço ou manjedoura ou cálice ou matadouro
Arca enfeitiçada da felicidade
Caminho perdido
Ancoradouro

Palavra ou paixão
Grácil o vaso mistério proibido
Da procura insistente a sagração
A simbólica metáfora da criação
Lúgubre alimento consentido
A sede espiritual da liberação
Sacro silêncio solidão
O vinho bebido
Em remissão
...

musa

E DEPOIS

Apartamos-nos
Mesmo errado o tempo verbal
Dois corpos desunidos
Com tanto amor feito
Pele de palavras e alma intensa carnal
E um vazio imenso a transbordar No peito
Desce um véu sombrio no olhar
Há silêncio pingando dos sentidos
A última gota do rio desfeito
A água madura a correr no leito
Tortura a gritar
Ode ao sentir
Gemidos

E depois volta a saudade a ferir
A golpes de adeus desferidos
Sem queixumes nem promessas
A meiga aceitação
Os olhos rendidos
Os sonhos perdidos
De desilusão
E loucura

E depois a desmesura espera
O pior dos castigos
A certeza quimera
Dos sonhos antigos
...

musa