terça-feira, 25 de novembro de 2008

Ser de Sagitário

Não quero edições póstumas lápides memórias
Flores depostas por meu ser desaparecido
Biografias notas escritas histórias
Que se contam do que fui
Do que terei vivido
Já meu ser cremado deitem as cinzas na água do mar
Chorarei na chuva os amores que levo comigo
Toda a saudade daqueles que não pude amar
Dar-lhes no meu peito protector abrigo
Desta eterna musa eleita corpo alma e coração conquistado
Mulher imortal ser sagitário sempre tão confidente
Clama nos seus braços por seu distante amado
A dor de o não ter e o sentir tristemente
Em todas as constelações procura docemente desesperada
No cio de todas as batalhas travadas corpo e mente
Sente-se musa estranhamente conquistada
Ser de sagitário mulher diferente

sábado, 22 de novembro de 2008

INSATISFEITA

Como sou insatisfeita De uma alma cheia de penas Sinto dores às dezenas Tenho a vida já desfeita São tão grandes meus pecados Que a alma soluça tristemente Aperto as mãos dedos cruzados Caindo gotículas de suor quente Não há homem que me entenda Que por amor me queira bem Que à terra minha vida prenda A chão que não é de ninguém Do mundo ando perdida Não tenho senhor nem dono Corre-me nas veias a vida Foge-me da alma o sono Já não vivo não como não durmo Tão triste sentido é viver assim Perdida sem fado sem rumo Nas mágoas deste jardim

Uma leitura de PAPYRUS DE DOR E DE PAIXÃO

O termo Papiro (derivado da palavra grega papyros) significa papel e aponta para a escrita real que deu origem ao livro. Pelo seu conteúdo "enrolado" papiro está ligado ao conhecimento, esse mesmo formato que assinala a involução, traduzido na repetição do gesto de revelação e ocultação. O dicionário de simbolos acrescenta-lhe ainda a face esotérica do conhecimento e a nível psíquico "exprime as duas fases de impulso e de repouso, de exaltação e depressão" (Chevalier, Dicionário de Simbolos, 1994:504). Após esta explicação, o título deste livro balança entre dois pólos: de dor e paixão, perfeitamente enquadrado na significação de papiro; por outro lado, a sugestividade do termo Papyrus tem um alcance mais lato e profundo ao evocar o nome de uma Editora que tem a função de transformar aquilo que está manuscrito em obra; no fundo, contribui para a revelação do conhecimento. Ainda nesta perspectiva, toda a poesia inclusa aponta para a interrogação existencial perante a precariedade da vida, garantindo à poesia um carácter ontológico. Estes pressupostos ajudam a "enformar" uma obra, profundamente, marcada por um eu, à procura de um tu, por vezes, nomeado, outras, a conquistar terreno junto do leitor universal. Esta contemplação implicita é uma marca peculiar do livro e funciona como seu elemento unificador.
Aliado ao sofrimento e à dor do eu há todo um conhecimento de esperiências vividas a (des)ocultarem-se através da palavra - "Tenho dentro de mim enternecida / Essa fina agulha por quem me apaixonei/(...)Que destino o meu tão devastador / Ser assim picada no dorso deitada" (Punção Lombar). No poema - metáfora "Olhar de Papiro" o sujeito de enunciação havia prevenido que " Por detrás destas palavras ruídos / Sou eu que me banho no mar das tuas lágrimas" o que testemunha a necessidade de desafogar no papel a angustia e o sofrimento do corpo e da alma; nada parece insincero, se há fingimento é apenas pela necessidade intrinseca da poesia, porquanto o sujeito parece expor-se cada vez perante a confiança do leitor e a segurança da pena. À medida que os poemas evoluem percepciona-se uma poesia mais amadurecida e implicada de estórias: "Uma alma velha derrotada / Sem identidade à deriva / Cruzei-me com ela amargurada / Sobre o areal desta vida" (Areal da Vida).
As temáticas focadas, embora centradas na dor, apresentam derivações existenciais: do tempo passado e do presente, filtrado nas fadas que bailam só de noite "Aguardam a noite para vir bailar", e escondem-se perante a luz do dia; também a evocação da água, através das ondas e do lago (Fadas), e alusão às asas e ao azul constituem um tecido de magia atenuante da dor e esperança da vida. A área vocabular associada ao mar, concretamente, através dos lexemas vela e mastro " Vem de vela e mastro imensamente erguida" (Dor), assinalam a atitude firme de querer vencer perante a vida, mesmo atravessada de sofrimento. E, aí, nesse percurso, a fé é também inabalável - vejamos o pema "Verónica", fundamentado na paixão de Cristo e na bondade da mulher que lhe limpava o rosto com uma toalha branca de linho.
Assim, o sujeito também clama: "Ai quem me dera ser pano de linho / È uma dor como chita de leves vestidos" (Dor), - o linho a conotar riqueza, religiosodade e resistência temporal.
Mescla de magia /sofrimento, de dor/paixão, de euforia/depressão, como metaforicamente representa "Prozac", este livro é uma revelação do eu, em que a dor transformada em poesia dá a possibilidade aos leitores de experimentarem/avaliarem as suas dores poeticamente. A transformação do esotérico em exotérico é um percurso oferecido ao leitor, em passo de dança, convidando-o também "a bailar" ao som das ondas da revelação.
Sem as preocupações formais normativas, a poesia desprende-se e, naturalmente, experiementando sentimentos e sabores diversos, sempre pautada por muita emoção, entra no ritmo do leitor e cativa-o, tornando-o o agente deserolador do Papiro.

sábado, 15 de novembro de 2008

Aparição Sagitariana

desta noite te dou a mais pequena
sombra desbravando trilhos na arena dos meus cabelos
sou no teu doce olhar serena
e nos teus passos....... sol distante e lua por inteiro
peregrina em desalinho de desvelos
pelo teu rosto de caminheiro
seguirei o rumo claridade que me queres dar
ao rosto clareira onde flui luminosidade desfiada em sorrisos
abro os braços e sou floresta a desvendar
no corpo recolhes traços indícios que são precisos
para no teu caminho te encontrares de mim
mas das palavras te desprendes e segues teus passos pelo chão
louca correria por veredas sendas que não têm mais fim
força da natureza que vence tempo e luz
insistência e razão
acontecido de orgulho e solidão
vieste astro fulgente que fascina e que seduz
dar de amigo tua mão
e desta fria noite fui ali perto do mar
ainda escuridão
fiz-me vaga embrulhada de fina areia
calmaria que aconteceu manhã nascer de sol ainda fria
um dia amanhecido pingos de orvalho presos numa teia
onde pude sentir brisa cheiro murmurar da praia ainda vazia
aparição de dois sagitários rompendo madrugada de desgostos antigos
numa cavalgada vida de nós proscrita
sei de um mar perto de ti
vaga aberta dentro do peito que clama e que grita
tão perto que se sente de abraços já sentidos
sulcando desse jeito passos de galope á rédea solta por entre ondas adormecidas
por entre mágoas já esquecidas
ofuscada de brilho do alto da montanha leito de prata reluzente
como lágrimas salgadas num rosto assim parado
como tudo o que ainda não vivi
entre o aqui e e o outro lado
caminhos já sonhados já perdidos
apenas percorridos
na minha mente
no meu ser
duro
alucinado
prazer
puro

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Carta do gato MIKI para a MUSA

Musa minha de meu dono! Musa única mulher! Como eu queria levar-te por meus telhados, em noites de lua cheia, vielas estreitas e sombrias, fedorentas misteriosas, correndo os caixotes do lixo, os terraços da vizinhança, como eu queria trazer-te a ele, como quando lhe trazia pequenos ratitos, só para lhe mostrar a minha agilidade de caçador felino, e vê-lo tão triste... amada dele... vê-lo tão só... quanta dor para um gatito solitário, ver seu dono ansioso, agitado, confuso, perdido numa frieza inteira de corpo e sentidos, tristeza de sensações e emoções... Mas nos seus leves gemidos há calor! Musa! Há amor escondido para descobrir, montões de carinho, toneladas de meiguice! Eu que o diga Musa!
Eu que o sinto há tantos anos, que lhe encho o colo de mimos, lhe respondo com um miau miau satisfeito, com um ronronar de gratidão, lhe dou a pata, recolho as garras quando com ele troco carinhos, olho-o nos olhos e compreendo a sua insatisfação, a sua verdade, a sua saudade, a sua vida sem norte, a sua sorte incompreendida, a devassidão dos seus sonhos e tu, Oh Musa, que sonho de fantasia, Musa, irás tu prometer-lhe?! Que fica dito de ti Musa, em tão pouco desse olhar azul como o meu, desse pêlo dourado como eu, desse jeito de felina, dengosa, gostosa, menina já sendo mulher, atrevida no jeito, tímida no vasto olhar, sensual nos sentidos e dentro do teu peito tantos dias prometidos... mas e agora... sem o veres, sem o sentires... como ficas tu Musa... como fica teu corpo sem seus beijos, tua pele sem suas caricias, tua boca sem suas delicias, tuas mãos vazias de seu toque, das suas ainda frias, sulcadas de veios azulados, aquecidas em teus seios maduros e resguardados, e nos passos inseguros, vais ao seu encontro quando te pede... e volta desse lugar levando consigo toda a saudade de um beijo...
Já não existo por aqui minha Musa... já nada sinto... sou apenas a alma de um gato que muito viveu, feliz e alegre ao lado do seu dono... contente de o ver por perto todos os dias, de o poder cheirar e nele marcar território... mas que teve o seu fim... findou seus dias por aqui. Levei a vida de um vadio de telhado em telhado, sempre com esse meu dono, chamando por mim, tratando-me assim, com mimo e carinho, e agora será sempre alguem que muito amo, que muito estimo, e me preocupa meu dono minha Musa! Sem o saber por aí, desorientado, confuso e amedrontado, perdido no meio de suas eternas vidas por resolver... mas que hei-de eu fazer....
Já tive minhas sete vidas... não tenho mais nenhuma... já não posso viver para tomar conta dele, roçar-lhe as pernas, miar de afecto...
Dá-lhe tempo bela Musa... deixa-o encontrar-se de si mesmo, deixa-o só!

domingo, 9 de novembro de 2008

Do meu silêncio vou morrer tu & eu

...das farpas que espalhaste pelo chão... dispuseste em lâminas aguçadas... os cortes de dor e de paixão... que em brisas do meu silêncio... vão morrer despedaçadas...
aguda dor... essa... alucinante... que de um parto ainda por fazer... já sente a contracção distante... do que vai acontecer...
acorda alma... não te surpreendas assim... submissa à ousadia... pois será melhor que te entendas... mais com o remorso do que com a fantasia...
Anima louca desvairada... te apressas a vir-me endoidecer... não quero ser desta vida quase nada... tudo o que eu possa transparecer...
fluo em espírito silenciado... o que dentro do corpo se equilibra de receio... se me solto sou pássaro alado... ogre centro do horrivel e do feio...
ai esse abraço de fogo entre animal e ave... humano e besta horrenda... fera a que me entrego... nas mãos... e faço peão desse jogo irreal... como dádiva que nego... como sangue oferenda...
em cálice divinal... e eu que assumo... que pressa têm meus dias em o ser... e as noites que não durmo... acordada... sinto tal ânsia de viver... o que já vivo quase nada...
entregue às sombras que me seguem... mal distingo forma leve deste meu corpo... são já as dores que me temem... saber deste meu chão frio e morto...
porque não queres dar-te de mim... silêncio prenhe desta alma incontida... olhar que se perde até ao fim... desse apertar de braços... laços de fita desprendida... do real eterno desta sensação sentida...
mas um dia vou voltar de que jeito... aqui em corpo duro e pensamento... tanta é a força que sinto dentro do meu peito... querendo ser somente olhar absorto puro sentimento...
do meu silêncio vou morrer... ainda que não queiras... belo amor sem medida... já me cansei de viver... das saudades... das fronteiras... dos teus abraços queimando solidão... num fogo de paixão... experimentando mil maneiras... desta vida...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Nós das Raízes

Há um tempo cravado na memória

Que tem a ferros os nós das raízes

É feito de falas de dizeres de história

Tem tonalidades nuances matizes

Ergue-se do chão em forma de terra

Ergue-se à solidão do vale cercado pela serra

Ergue-se de sonho esperança fortuna

Tem o corpo feito do dia e a alma prenhe pela noite soturna

Há um tempo de verdes prados hortas e cercanias

Aldeias de ruas escuras molhadas sombrias

Searas malhadas cheias de gente

No pino do calor ingrato e indiferente

No inferno dos Verões o milho e os feijões pedindo água

Mais o tempo do Inverno gélido a ferros castigado pela mágoa

Há um tempo pendendo no tronco desse tempo feito escravo

Tem as mãos libertas de nós soltos desatados

Há um tempo morrendo no tempo sem apelo nem agravo

À solta de manhãs despertas para dias consagrados

Na penúmbra de memórias guardando em sonho ilusão

Curvado à sua glória pelo peso da emoção

Há um tempo que clama a meiguice do passado

É chão de palavra é chama de sentidos

Terra de vento lavrada pela mão do arado

Feita força da vitória dos vencidos

Daqueles que cometeram a graça do pecado

Há um tempo de nós

Que me prende às raizes desta terra sem nome ausente

Que faz gritar a minha voz

Que me conta de tudo o que tu me dizes sem querer

Num bailado de melancolia sorridente

Que mata de palavras felizes toda a fome de viver

Apanha-me no caminho ainda trémula de andar dormente

Que tráz pela mão o absurdo de aí tanto querer morrer

Há um tempo de tudo de nós de todos de troncos de raízes

Caminhar dolente afiado cortante e agudo

Tempo de vidas de toda a gente feliz e infelizes

Indiferente

A tudo

A propósito de NÓS DAS RAÍZES

O nó, por vezes, é dificil de desenvencilhar, sobretudo, quando está ligado a tecidos ou cartilagens mais duras e pouco flexíveis, mas poetar com os nós e raízes pode intuir uma impressão tão prosaica como o próprio acto de desatar. No entanto, aquilo que à primeira vista parece difícil acaba por entrar brandamente nos nossos sentidos e cativá-los, pois, o facto dos nós serem das raízes a restrição implícita favorece a própria explicação. O leitor, ao deparar-se com o título, prepara-se para entrar nas profundezas da terra e nos vários termos polissémicos que daí advêm, pois a poesia é sempre esse campo exposto, onde cada palavra é grão e a seara é o próprio livro.
Neste segundo livro de poemas de Ana Bárbara observa-se mais maturidade poética, mais confiança na pena e no sabor das palavras. Os poemas são frutos maduros, ligados à sua origem, às recordações de infância, à problemática do eu em que o próprio sujeito ora se interroga, ora se procura e se projecta até nos próprios animais: "sou a loba que ouviste ao luar/(...)Sou a loba que desce ao vale/ Pelo caminho da clareira enevoada/Com fome de palavras". A poetisa é a tal loba que anda à procura de alimento para os filhos e está sujeita à sentinela dos homens; neste jogo de palavras, o poema vai crescendo com história e com marcas do lugar, assumindo-se como a mapeação do próprio espaço. Há outros poemas em que a reconfiguração espacial é mais definida - "Solitária coruja pia tristemente" - pois aponta para locais ermos e solitários que o poema "Âmago da Terra" acaba por desvendar - "Sou filha da terra/ Uma dama Torriense/ A torre era de D. Chama/ O título em nada me pertence.
Lentamente, o leitor vai descobrindo a região berço " Trás-os-Montes" que foi o palco deste bailado de palavras, nascidas em momentos de intimidade profunda e geradas na teia do tempo e da vida, sempre numa ânsia de revelação... Assim, as raízes, embora com nós, vão tornando-se permeáveis à luz e alimentando o ser; é nessa árvore do tempo que estão suspensas as recordações evocadas: "Contaste-me bisavó que parida foste/ e ainda assim descalça e tão pouco vestida/ Teus pés tocaram o chão/(...)Ajudaste-me a criar entre lágrimas e mimos". O elemento temporal assume, a par da água e da própria natureza animal, uma dimensão misteriosa e premunitória: "O tempo urge na rudeza dos sentimentos/ Quem eu sou já antes fora jamais serei(...) Sou de um tempo procurado/Ontem hoje nunca e sempre jamais". O tempo, esse em que permitiu que as raízes fizessem nós, tornou-se o chão das palavras que estavam cravadas nas memórias: "há um tempo cravado na memória/ que tem a ferro os nós das raízes"; foi nesse tempo que o eu alimentou a esperança e construiu a sua cesta de sonhos que já não serve senão para dar ao tu "vou deixar na tua mão/As minhas gestas bem guardadas/ Dar-tas do fundo do coração/ Onde estavam aprisionadas."
Poesia feminina feita com garra, cheia de amor e de luta, salpicada pela rebeldia de Orpheu e pelo desejo de insatisfação... à espera da hora; tal Florbela Espanca que se viu única na flor do tempo!
Estes poemas, tal como os nós, são para ser desatados e nesse " desembrulhamento" encontraremos a fé da poetisa que vai estampar-se na contra-capa do livro, em jeito de oração à " Nossa Senhora Desatadora dos Nós". Livro de procura e de achar das raízes, poemas com nós e para nós.
Sem preocupações formais, embora com ritmo e melodia suficientes nos poemas em que pretende rimar, estes poemas impõem-se, particularmente pela profundidade e variedade das palavras e também pela novidade do percurso poético - sempre um caminho de procura da origem que vai preparando o leitor para a grande Hora (o nascimento) e depois o esforço de superação e sublimação até gravar a palavra para sempre - a mesma pedra que se transforma em ruína "Solidão em pedra inabitada", mas nunca se desfaz. Esta poesia torna-se esse esteio que foi/é sustentáculo do Ser.